ATIVO INADIMPLENTE

15/05/2012 22:12

Sete de maio, o dia do silêncio. Silêncio: um estranho jeito de ser das pessoas, dos cidadãos de bem. Em programa de televisão, o deputado Tiririca foi perguntado, pergunta de criança, qual o resultado de vinte e um dividido por três. A resposta foi: “perguntaram para a pessoa errada”. A quem pode ser feita tal pergunta? Não faz sentido perguntar para uma criança menor de nove anos, talvez. Não faz sentido fazê-la também a um deputado. Não é que ele não sabia a resposta. É que a pergunta foi ridícula para um tão nobre deputado, concluo. Eu aceito a resposta, calado, e procuro um contexto para adequá-la. Afinal ele foi aprovado para ser deputado. Pode alguém desempenhar função tão importante sem ter feito a prova do ENEM? Existe alguma cota para políticos analfabetos ou semianalfabetos?

A história de Hans Cristian Anderson veio-me à mente. Um rei egocêntrico gostava de vestir-se com o que havia de mais moderno. Dois mágicos apresentaram-se oferecendo vestes que só eram visíveis pelos inteligentes – os burros não as enxergavam. O rei gostou e comprou, pediu ao ministro da educação para ver como estavam ficando as vestes. Este foi e nada viu do tecido, mas como não queria ser chamado de burro, disse que as vestes estavam maravilhosas. O mesmo se sucedeu com vários ministros – ninguém viu, mas todos queriam ser inteligentes. O rei recebeu as vestes para o desfile. Estranho, pois nada viu, mas como os ministros já haviam afirmado de que elas eram lindas, não quis fazer feio e nem ser burro, vestiu-as. Desfilou com elas - visíveis apenas pelos inteligentes. O rei desfilou. O povo admirou – ninguém queria ser burro. Havia, no entanto, em uma árvore, um menino que não entendia da política e gritou: o rei está nu. Todos começaram a rir. Este menino, nos dias de hoje, não tem a mínima chance de gritar.

Ser inteligente é uma questão de atitude: calar-se. Calar-se é dar espaço ao Cachoeira e Demóstenes, aos Tiriricas, é dar espaço à corrupção, à violência, é também dar espaço ao tráfico. Fingir ver as vestes mágicas do rei é ver diminuir o espaço dos cidadãos de bem, é viver em um espaço diminuto e ainda assim, um espaço do medo. O rei está nu, estão vendo, mas não querem se incomodar. Estranho hábito.

A democracia exige que o povo governe. Ela vive do diálogo, da crítica, do ouvir e do ser ouvido. Vivemos, hoje, uma ditadura mascarada. Dizer que o rei está nu pode ter consequências desastrosas. A ditadura mascarada inibe a reflexão. A reflexão é o sangue da democracia. Em diversos espaços sociais: na família, na escola, nas empresas, em repartições públicas... mascara-se a democracia.

Acreditamos estar fazendo o melhor. O cidadão brasileiro é ativo, mas seriamente inadimplente como cidadão democrático – não cumpre deveres e não exige direitos. Somos trabalhadores ativos, mas democratas inadimplentes.

Sonho com uma escola cujos profissionais sejam qualificados; sonho com uma sociedade cuja escola valoriza o conhecimento e a disciplina. Sonho com aluno que sabe por que estuda. Perguntar é o caminho e o caminho começa na família que compreende a importância da escola.

                                                                            Professor Romério Gaspar SchrammEL

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