BOM TRABALHO: EXCELENTE, ÉTICO E ENVOLVENTE.

17/10/2013 21:47

Conforme Howard Garnder, em  Cinco mentes para o futuro, “... a palavra bom capta três facetas distintas do trabalho: bom no sentido de ser excelente em qualidade; bom no sentido de ser responsável; bom no sentido de a pessoa que o realiza se sentir bem – é envolvente e dotado de sentido. Se a educação é a preparação para a vida, ela é em muitos aspectos, a preparação para uma vida de trabalho. Os educadores devem preparar os jovens para uma vida marcada pelo bom trabalho, e o local de trabalho e a sociedade como um todo devem dar apoio ao sustento  desse bom trabalho.

A mente ética não se limita ao local de trabalho. O que significa ser advogado/médico/engenheiro/educador na época atual? Quais são meus direitos, minhas obrigações e minhas responsabilidades? O que significa ser cidadão de minha comunidade/minha região/do planeta? Qual é meu dever para com os outros, principalmente com aqueles que, por circunstâncias de nascimento ou de azar, são menos afortunados do eu? A ética envolve uma atitude abstrata – a capacidade de refletir explicitamente sobre as formas com que se cumpre, ou não, um determinado papel.

A aquisição de uma mente ética fica mais fácil quando se foi criado em um meio onde o bom trabalho é a norma. A orientação ética começa em casa. Quer observem realmente seus pais no trabalho, que não, as crianças sabem como um deles, ou ambos trabalham. Elas veem se seus pais têm orgulho do que fazem, como falam de seus supervisores e colegas, se o trabalho é simplesmente um meio, do qual não gostam ou apenas toleram, de colocar comida na mesa ou se também corporifica sentido e sustento intrínsecos. O trabalho também acontece em casa. As crianças observam seus pais quando estes tomam decisões sobre como manter a casa, o que fazer com consertos necessários ou melhorias opcionais. A forma como os adultos tratam os jogos e brincadeiras também é importante: as crianças notam se os adultos gostam de jogar, se jogam de forma justa, se se esforçam apenas para vencer ou se também encontram sentido e “fluência” no jogo em si, independentemente de ganhar ou perder. Valores religiosos fortes – personificados, além de pregados – podem servir como importantes catalisadores, e as crianças observam seus pais como cidadãos: eles leem e falam sobre a comunidade? Eles refletem sobre como podem melhorar a comunidade? Arregaçam as mangas e participam ou sua motivação é em grande parte egoísta, e seu envolvimento principalmente retórico?

Os adultos fora de casa também exercem influência. Os pequenos notam o comportamento de parentes, de visitantes e dos trabalhadores que encontram na rua e no mercado: as crianças sabem imitar essas pessoas e o fazem.

Uma vez que comecem a pensar em uma carreira, os jovens prestam atenção especial aos adultos que estão realizando trabalhos relacionados. Estejam cientes disso ou não, esses adultos servem como modelos de referência vívidos, sinalizam os comportamentos e crenças, as aspirações e os pesadelos dos membros da profissão.

Uma formação religiosa pode estabelecer o alicerce para o trabalho de qualidade e a cidadania zelosa. Empresários considerados bons trabalhadores informam que seus valores religiosos orientam-nos em suas práticas cotidianas. Cientistas que se consideram seculares hoje em dia muitas vezes citam sua formação religiosa inicial como importante no desenvolvimento de seus valores e dos padrões de comportamento que adotam. Os jovens também observam as posturas assumidas por seus pais em relação a eventos políticos, econômicos e culturais.

Os pais que deixam as amizades totalmente ao sabor do acaso podem estar colocando em risco seus filhos. Faz uma enorme diferença se o jovem acaba convivendo com indivíduos que se dedicam a servir à comunidade, aos estudos acadêmicos ou sem passatempos interessantes, ou com indivíduos envolvidos em atividades sem propósitos, anti-sociais ou abertamente criminosos.

Quem julga qual trabalho é bom e qual não é? Qual é a medida e quem a estabelece? Não há nenhuma medida 100% segura para avaliar a qualidade do trabalho, mas estou disposto a apresentar candidatas. Um bom trabalhador tem um conjunto de princípios ou valores que consegue declarar explicitamente ou, pelo menos, reconhecer quando questionado. Os princípios são harmoniosos entre si e se somam em um todo razoavelmente coerente. O trabalhador é transparente, até onde é possível, opera abertamente e não esconde o que está fazendo.

Todas as sociedades conhecidas assumem como virtudes a sinceridade, a integridade, a lealdade, a justiça; nenhuma endossa explicitamente a falsidade, a desonestidade, deslealdade e a desigualdade grave.

Adam Smith fazia fortes ressalvas: “Certamente não é um bom cidadão aquele que não deseja promover, por todos os meios a seu alcance, o bem-estar de toda a sociedade e de seus concidadãos”. Jonathan Sacks, rabino da Grã-bretanha tem a seguinte posição: “Quando tudo o que importa pode ser comprado e vendido, quando os compromissos podem ser rompidos porque não servem mais aos nossos iteresses, quando comprar torna-se a salvação e os slogans de propaganda passam a ser nossa ladainha, quando nosso valor se mede pelo quanto ganhamos e gastamos, então o mercado está destruindo as próprias virtudes de que depende a longo prazo.”

Se, em casa, uma pessoa não tem pais ou responsáveis que personifiquem o comportamento ético, se os companheiros de infância são egoístas, autocentrados ou enaltecem a si mesmos, se se tem um mentor malévolo ou não se tem mentor, se os primeiros colegas de trabalho são dados à lei  do menor esforço e se não se dispõe de inoculações periódicas de tipo positivo ou não se consegue tirar lições de exemplos do trabalho que acaba tendo sua qualidade comprometida, as chances de que se venha a apresentar um bom trabalho são mínimas.

É mais fácil fazer um bom trabalho naquelas empresas, parceiras profissionais, universidades, hospitais, fundações ou organizações sem fins lucrativos nas quais os líderes – e seus seguidores – esforçam-se para ser bons trabalhadores, escolhem como membros os que demonstram promessas de realizar ou de continuar realizando o bom trabalho e removem, com discernimento, as maçãs podres que ameaçam o resto da cesta.

Os professores servem como modelos fundamentais. As crianças observam o comportamento dos professores, suas atitudes em relação a seus empregos, sua forma de interação com seus supervisores, pares e auxiliares, o tratamento que dão aos alunos e, mais importante, sua reação às perguntas, às respostas e ao produto do trabalho de seus alunos.

Os educadores podem tornar mais fácil o caminho para uma mente ética chamando atenção para as outras conotações da palavra bom. Os estudantes precisam entender por que estão aprendendo o que estão aprendendo e como se pode dar usos construtivos a esse conhecimento. Como aprendentes disciplinados, cabe a nós compreender o mundo, mas, se queremos ser seres humanos éticos, também é tarefa nossa usar essa compreensão para melhorar a qualidade da vida e do viver, dando testemunho de quando essa compreensão estiver sendo usada de maneiras destrutivas. Quando os estudantes vêem que o conhecimento pode ter usos construtivos, os estudantes têm mais probabilidades de ter prazer no trabalho escolar e ver nele um sentido em si, adquirindo, assim, as outras facetas do termo bom. Desde muito cedo, é claro, as pessoas são influenciadas pelo que vêem ao seu redor, por aquilo que se recompensa, por aquilo sobre o que se escreve, o que se ignora ou deprecia.

A ética envolve um passo a mais de abstração, é uma conquista da adolescência e das décadas posteriores. Assumindo uma postura ética, a pessoa pensa sobre si mesma como membro de uma profissão e pensa sobre como essas pessoas deveriam comportar-se ao cumprir esse papel.

A pessoa tornar-se ou não um bom trabalhador depende de sua disposição ou não para realizar um bom trabalho e tentar chegar a esse fim quando a coisa aperta. Quatro pontos de sinalização no caminho que leva à conquista do bom trabalho:

  1. MISSÃO – um indivíduo deveria especificar o que está tentando obter com suas atividades que objetivos estão impregnados no papel que ele está cumprindo.
  2. MODELOS – é importante ter contato de forma direta ou por meio de texto ou de outras mídias – com indivíduos que personalizem o bom trabalho.
  3. UM OLHAR NO ESPELHO – o aspirante a bom trabalhador deve, olhar no espelho e ver se está procedendo de maneiras que ele próprio aprova. Estou sendo um bom trabalhador, o que posso fazer para me tornar um bom trabalhador?
  4. RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL – os jovens trabalhadores precisam prestar atenção a suas próprias almas. Com o pressuposto de autoridade e maturidade vem a obrigação de monitorar o que nossos pares estão fazendo e, quando necessário, chamá-los às suas responsabilidades. O dramaturgo francês do século XVII Jean-Baptiste Molière declarou que: “somos responsáveis não apenas por aquilo que fazemos, mas pelo que não fazemos.”

O bom trabalho pode começar no centro do indivíduo, mas, ao fim e ao cabo, deve-se estender ao local de trabalho, ao país e à comunidade global.

 

GARDNER, Howard. A mente ética, in Cinco Mentes Para O Futuro. Porto Alegre : Artmed, 2007.

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