ESTUDEI EM MICHIGAN SEM SAIR DE CASA

25/06/2013 21:33

Rafael Barifouse*

“Filho, não está na hora de voltar a estudar?” A pergunta de minha mãe me fez pensar. Ela foi a primeira da família a se formar na faculdade. Fez curso de inglês, informática e pós-graduação depois dos 50 anos. Educação era a maior arma para vencer na vida, ela sempre dizia, e nunca era tarde para aprender. Sentia mesmo falta de estudar. Havia me formado em 2004 e feito dois cursos logo depois. Pensava numa pós-graduação, mas teria tempo? Conseguiria pagar? Depois da conversa com minha mãe, retomei o projeto – e descobri que é possível estudar de graça nas melhores universidades do mundo, sem sair de casa.

Universidades como Harvard, Yale e Stanford aderiram a um novo modo de ensino, os cursos on-line em massa e abertos (Moocs, na sigla em inglês). As aulas são totalmente pela internet. Milhares de pessoas podem segui-las ao mesmo tempo. Os cursos são gratuitos. Basta um computador conectado para participar. Eles duram de algumas semanas a alguns meses. Em alguns, uma lista de tarefas deve ser cumprida a cada semana. Noutros, o aluno dita o ritmo. Em todos, há avaliações regulares. Ao fim, é aprovado ou não, como num curso normal.

A variedade de temas é grande. Podem-se estudar psicologia, Direito Constitucional ou neurociência. Ou programação, nutrição infantil e história mundial. Interessei-me por um curso sobre história e tecnologia da internet, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Seria bom dominar um tema recorrente no trabalho. Teria 11 semanas, com três horas de estudos e um teste de múltipla escolha em cada uma, além de três redações opcionais e a prova final. Era a carga de trabalho ideal para minha estreia nos Moocs.

Esses cursos são a mais nova e ousada variedade do ensino à distância, modalidade que começou no século XIX, com o envio de materiais de estudo pelo correio. Nos anos 1920, aulas passaram a ser transmitidas pelo rádio e, nos anos 1970, pela TV. A internet foi o passo natural.

As experiências começaram nos anos 1980. Ampliaram-se na década seguinte, quando a internet deixou de ser usada só por cientistas e entrou na casa de milhões. A tecnologia ainda era instável e vista com desconfiança por alunos e professores. Em 2000, a Universidade Columbia criou seu programa on-line. Ele fechou três anos depois por falta de interesse. O programa UKeU, do governo britânico, tinha só 900 alunos quando acabou, em 2004. O portal Harvard em Casa também sofreu com poucas inscrições, até terminar em 2008. Agora, a tecnologia evoluiu. Podemos assistir a aulas em qualquer lugar, a qualquer momento, com conexão rápida e estável. As redes de telecomunicação se espalharam e conectaram a 2 bilhões de pessoas. Os computadores baratearam. Sobraram poucas barreiras para a educação digital.

Os Moocs são resultado da colaboração de três pesquisadores da Universidade Stanford. Andrew Ng, Daphne Koller e Sebastian Thrun acompanhavam as pesquisas para unir educação e internet na década passada. O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) colocara o material de seus cursos na rede e oferecera de graça a tecnologia a outras universidades. Ng e Koller fizeram experiências com cursos de Stanford, enquanto criavam um sistema on-line para ensinar milhares de pessoas ao mesmo tempo. Inspirado pelos colegas, Thrun fez seu próprio sistema. Em 2011, anunciou um curso sobre inteligência artificial. A meta era atingir mais que os 200 alunos de suas aulas tradicionais. Cerca de 160 mil pessoas de 195 países se inscreveram, e 23 mil se formaram. O sucesso deu aos três pesquisadores confiança e argumentos para convencer investidores a apoiá-los.

A principal característica dos Moocs é o volume de alunos. Num curso à distância tradicional, há um professor para uma turma de 40 a 80 alunos. Ele conhece cada um pelo nome. Corrige os trabalhos pessoalmente. Acompanha o desempenho nos fóruns ou chats e usa estratégias para manter os alunos engajados. Nos Moocs, o conteúdo vem em textos ou vídeos. Praticamente toda a interação ocorre entre alunos.

Thrun lançou o portal Udacity em janeiro de 2012. Hoje, ele oferece 24 cursos, feitos por uma equipe própria em parceria com empresas, como o Google, e 750 mil alunos. “Damos a chance às pessoas de aprender habilidades úteis a seus trabalhos ou para conseguir novos empregos”, diz Thrun. O Coursera, criado por Ng e Koller em abril de 2012, se converteu no maior portal do gênero, com 313 Moocs, de 69 universidades. Elas fazem o conteúdo. O Coursera transmite e avalia alunos. “Há dois anos, o ensino on-line era malvisto, porque os bons cursos eram raros. Agora, dá para aprender com os melhores professores do mundo”, afirma Ng. As duas iniciativas levaram o cientista da computação Anant Agarwal, do MIT, a criar um portal de Moocs da universidade. Há um ano, Harvard se uniu ao projeto e formou o edX, que hoje envolve 12 instituições. “Ampliamos o acesso à educação superior de qualidade”, diz Agarwal.

Um estudo do Banco de Desenvolvimento da Ásia estima em 6,7% a população mundial com diploma superior, pouco mais que os 5,9% registrados em 2000. A Unesco calcula ser necessário erguer uma universidade para 30 mil alunos por semana para atender à demanda por vagas até 2025. Quem estudar pagará cada vez mais caro, já que os custos das universidades aumentam mais rápido que o número de alunos. Os Moocs podem ampliar o alcance delas e ajudá-las a descobrir novos talentos. No curso de Thrun, nenhum dos 248 estudantes que acertaram tudo nas provas era de Stanford. Num Mooc de eletrônica do edX, um garoto de 15 anos da Mongólia foi aprovado com louvor. Ele agora tenta uma vaga num curso regular do MIT e da Universidade da Califórnia.

Há cinco portais do tipo e outros sites com aulas gratuitas, mas sem provas ou certificados de conclusão. A maioria é em inglês, e só uma parte do conteúdo tem legendas. Aos poucos, surgem Moocs em espanhol, chinês, francês, italiano e português. O número de inscritos cresce velozmente. No mês passado, um curso de ciência da computação do Udacity recebeu 300 mil inscrições. O edX tem 1 milhão de alunos. O Coursera, 3 milhões. “As pessoas precisam de novos conhecimentos ao longo da vida, mas não têm acesso ou acham difícil conciliar com o trabalho”, diz Ng, do Coursera. “A conveniência do curso on-line em massa faz muitos voltar a estudar.” Como eu.

Logo que iniciei meu Mooc no Coursera, no dia 1° de março, a flexibilidade me impressionou. As aulas não tinham dia nem horário. A cada módulo, havia uma semana para assistir a quatro ou cinco vídeos de cinco a 20 minutos, com palestras do professor, acompanhadas de slides e entrevistas com cientistas que criaram a internet. Eu podia parar o vídeo para anotar e acelerar nas partes menos interessantes. Podia assistir a tudo de uma vez ou fazer intervalos. O teste de cada módulo podia ser feito até 100 vezes. Não era para reprovar, mas para me fazer rever o conteúdo e aprender com meus erros. Quando tinha dúvidas, recorria aos fóruns, em que os alunos debatem as aulas e se conhecem melhor. Cheguei a consultar o professor uma vez, pelo Twitter. E ele respondeu. Descobri colegas indianos, portugueses, suecos, americanos, chineses e brasileiros. Havia adolescentes, universitários e muitos profissionais formados, como a curitibana Eliane Lehar, de 43 anos, uma fã dos Moocs.

Eliane já completara dois cursos e, enquanto estudava comigo, fazia outros três: sobre inteligência emocional, empreendedorismo e inteligência artificial. Mãe de duas meninas e dona de um escritório de engenharia, reserva os fins de semana para estudar. “Revejo conhecimentos de minha área e aprendo novidades”, diz Eliane. “É interessante ter gente do mundo inteiro. Minha rede de contatos aumentou muito.” Ainda havia ao menos outros 25 brasileiros no curso. Fiquei surpreso por sermos tantos. O Brasil é o quarto país no portal edX, depois de Estados Unidos, Reino Unido e Índia, e também no Coursera, atrás de americanos, indianos e britânicos.

O funcionário público Bruno Bondarovsky, de 38 anos, do Rio de Janeiro, está em seu segundo curso. O primeiro ensinava a usar a lógica dos videogames, com seus desafios e prêmios, para resolver problemas cotidianos. Agora, ele estuda como a mente humana toma decisões. “Gosto da interatividade. As aulas prendem. É tão bom ou melhor que um curso normal. Também é trabalhoso e exige comprometimento.”

Um Mooc exige ainda organização. Senão o trabalho acumula. Aconteceu comigo quando tive de entregar a primeira redação, um texto de 1.000 palavras. Faltavam algumas horas para o prazo, e eu nem sequer assistira ao último módulo do assunto. O esforço era grande, e o tempo, curto. Pensei em desistir – e não estava sozinho. Dos 46 mil inscritos em meu curso, 3.300 fizeram a prova final, e 2.900 se formaram. A alta taxa de evasão é comum. Em geral, 90% dos alunos largam um Mooc. Num curso à distância tradicional, uma taxa de evasão de 30% é considerada alta.

Críticos do novo modelo apontam isso como prova de que ele não funciona. Não é bem assim. A razão das desistências não é clara. Talvez seja um comportamento diferente. Inscrever-se num Mooc não é como matricular-se em Harvard. Basta cadastrar-se no site e clicar num botão. Não faz mal testar vários e prosseguir num só. Foi o que fiz em um Mooc sobre design. Fiquei entediado com os vídeos, porque o professor expunha conceitos sempre no mesmo cenário, sem nenhum recurso interativo. Desisti. Provavelmente milhares prosseguiram. Estudos sobre Moocs mostram que, entre os que respondem ao primeiro teste, mais gente termina o curso. Meu Mooc teve uma taxa de conclusão de 6,3%. Se contarmos só os 11.600 alunos que fizeram a primeira prova, a taxa sobe para 25%. No meu caso, já fizera três testes e assistira a uma dezena de vídeos quando cogitei desistir. O esforço investido me fez continuar. Em poucas horas, assisti às aulas que faltavam, respondi ao teste e fiz a redação. Mas paguei um preço pela correria.

O texto foi corrigido por meus colegas. Numa turma de dezenas de milhares, é impossível para um professor avaliar todos os trabalhos. Em alguns Moocs, está em teste um programa de computador capaz de avaliar os textos eletronicamente. Na maioria, isso cabe a quem aprende. Cada aluno lê ao menos cinco trabalhos, seguindo certos critérios. O texto é interessante? Argumentou bem? Traz referências? Dei notas entre 0 e 10 com base neles, com as respectivas explicações. Por causa da pressa ao entregar meu trabalho, cometi erros, prontamente apontados por meus colegas em seus comentários. Ganhei uma média 7. Razoável, mas aquém do que esperava. “A nota não importa”, disse-me Andrew Ng, do Cousera. “O aluno tem de pensar sobre o que foi ensinado. Queremos um aprendizado de longo prazo.” Revisar o conteúdo e reorganizá-lo sob outra lógica me fez guardar mais detalhes. Na soma de todas as notas (nove testes, três redações e a prova final), fui aprovado com distinção, por ter conseguido mais de 90% dos pontos possíveis. Como a maioria da turma. Era um curso fácil. Ao fim, não me tornei um especialista, mas posso falar com mais propriedade sobre o assunto. Aprendi.

Os Moocs são recentes. Só que os desdobramentos dos últimos meses mudaram o tom do debate em torno deles. Não se trata mais de se perguntar se mudarão a educação, mas de quão profundo será o impacto. A universidade americana San Jose State testou, em outubro, um curso em que alunos faziam o Mooc em casa e iam à aula para aprofundar o tema. A taxa de reprovação caiu, de 40% para 9%. A Escola de Negócios de Harvard não ensina mais contabilidade básica, porque há um bom curso na internet sobre o assunto. “Quando o ótimo está disponível facilmente, o mediano está fadado a acabar”, afirma o jornalista Thomas Friedman. “Nada tem mais potencial de nos fazer repensar o ensino superior que o Mooc.” Em fevereiro, o Conselho Americano de Educação recomendou que 1.800 faculdades aceitassem cinco Moocs como crédito universitário. O Estado da Califórnia debate fazer o mesmo em suas faculdades públicas. “Haverá muitos cursos grátis no futuro”, escreveu o presidente de Stanford, John L. Hennessy. “As aulas tradicionais continuarão. Mas os Moocs se provarão um bom jeito de aprender.”

Para isso, será crucial conquistar mais alunos e manter os atuais interessados. Comigo funcionou. Estou inscrito em dois Moocs, sobre jornalismo e programação. Comentei com minha mãe. Seus olhos brilharam. “Não tem um curso desses sobre contabilidade?”, disse. Tinha. Minha mãe, aos 68 anos, começará seu primeiro Mooc no mês que vem.

* Revista Época - 24/06/2013 - Rio de Janeiro, RJ

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