PASSADO, FUTURO E PRESENTE

14/09/2013 19:20

Friedrich Nietzsche diz que a vida do homem pode ser dividida em três metamorfoses sucessivas do espírito. A primeira ele chama de “camelo”, a segunda de “leão” e a terceira de “criança”.

Cada ser humano tem de absorver a assimilar a herança cultural da sua sociedade – a cultura, a sua religião, a sua gente. Ele tem de assimilar tudo o que o passado disponibilizou. O camelo tem a capacidade de armazenar no seu corpo enormes quantidades de comida e água, para a sua extenuante jornada pelo deserto. Essa é também a situação do indivíduo humano. Lembre-se, não adiante memorizar, tem de assimilar. A pessoa que memoriza o passado só o memoriza porque não consegue assimilar. Se assimilar o passado, você fica livre dele. Você pode aproveitá-lo, mas ele não pode se aproveitar de você. Você o possui, mas ele não possui você.

O camelo é aquele que acumula provisões, mas se você ficar parado nesse estágio e continuar a ser um camelo para sempre, então não conhecerá as belezas e as bênçãos da vida. Você nunca conhecerá Deus. Continuará preso ao passado. O camelo pode assimilar o passado, mas não pode aproveitá-lo. A grande maioria das pessoas está nesse estágio. É por isso que existe tanto sofrimento e nenhuma alegria. No primeiro estágio, todo mundo tem de ser camelo, alguém que só diz “sim”, que acredita em tudo que lhe dizem, que assimila, digere.

No curso do seu desenvolvimento pessoal, chega uma hora em que o camelo tem de se tornar leão. O leão segue em frente para destruir o gigantesco monstro conhecido como “Tu não deves...”. O leão, no homem, ruge contra toda autoridade.

O leão é uma reação, uma rebelião contra o camelo. O indivíduo agora descobre a sua própria luz interior como a fonte suprema de todos os valores autênticos. Ele toma consciência interior. É bom virar leão, mas a pessoa ainda tem de dar mais um salto – e esse salto é virar criança.

Todos fomos criança, mas dizem que a primeira infância é falsa, como é falsa a primeira dentição: eles parecem dentes de verdade, mas não são, eles têm de cair. Quando o medo do camelo passa por completo, o rugido do leão cessa. Então nasce a criança.

O primeiro estágio é o do sofrimento e o terceiro é o da bem-aventurança, e entre os dois está o estágio do leão – que às vezes está infeliz e às vezes é agradável, às vezes é doloroso e às vezes é prazeroso.

O segundo estágio é difícil. O primeiro estágio, a sociedade lhe dá; é por isso que existem milhões de camelos e muito poucos leões. A sociedade o abandona quando você vira um camelo perfeito. Ela faz de você um camelo perfeito com um diploma na mão.

O leão você tem de se tornar por si mesmo, lembre-se. Se não decidir se tornar leão, você nunca se tornará um. Esse risco tem de ser tomado pelo indivíduo. Trata-se de um jogo de azar. E é muito perigoso também, pois, ao virar um leão, você passa a incomodar todos os camelos à sua volta, e os camelos são animais pacíficos; eles estão sempre dispostos a fazer concessões. Eles não querem ser perturbados, não querem nada novo acontecendo neste mundo, pois tudo o que é novo perturba. Eles são contra os revolucionários e os rebeldes, perceba, nada de coisas grandiosas – nada de Sócrates e de Cristo; eles causam grandes revoluções – os camelos têm receio de coisas tão pequenas que você ficará surpreso. O leão parece louco aos olhos dos camelos, pois os camelos vivem no passado e o leão começa a viver no futuro. O leão anuncia o futuro e o futuro só pode chegar se o passado for destruído.

Ser um camelo é uma dádiva da sociedade. Ser um leão é uma dádiva que você concede a si mesmo. Do camelo para o leão, trata-se de uma evolução. Do leão para a criança, trata-se de uma revolução. Nesse estágio é necessário um Mestre.

No primeiro estágio, do camelo, era dependência; no segundo estágio, do leão, era independência; no terceiro estágio, da criança, na inocência, a pessoa descobre que não existe nem dependência, nem independência. A vida é interdependência – somos todos dependentes uns dos outros. Somos todos uma coisa só. O camelo tem memória, o leão tem compreensão e a criança tem sabedoria. O camelo é Adão antes de comer o fruto, o leão é Adão depois de comer o fruto e a criança é Adão tornando-se Cristo. O camelo vive o passado, o leão vive no futuro, a criança vive no presente, no aqui e agora.

(adaptado da obra A Liberdade/A coragem de Ser Você Mesmo)

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