Li interessante texto de Rique Nitzsche sobre a necessidade de permanentemente adaptar-nos. Muitas vezes acabamos por achar-nos tão autossuficientes que acabamos por não mais ouvir, aprender e desaprender. As coisas mudaram, rapidamente, e não faltam exemplos.
Por algum determinismo voluntário, os habitantes da Ilha da Páscoa escolheram manifestar sua crença esculpindo monumentos que foram colocados nos limites do seu território. Para o transporte, eles precisaram de troncos de árvores. Ao longo dos anos, as árvores foram sendo sacrificadas em homenagem à comunicação dos homens com o universo. Quinhentos anos depois da chegada ao novo lar, as florestas morreram. Sem árvores, os navegadores ficaram sem transporte marítimo. A decadência foi contínua e implacável. Sem a proteína dos peixes, a população se alimentou dos pequenos mamíferos, até que só sobraram os ratos. Os clãs entraram em guerra e o canibalismo tornou-se rotina.
A história dos habitantes da Ilha da Páscoa, talvez seja uma metáfora a ser respeitada, se aceitarmos a ideia de compará-la com a Terra. É a capacidade de ficar inerte diante de posições política, religiosa, social ou cultural radicais que impedem qualquer atitude de mudança. Essa característica de imobilidade diante da necessidade de adaptação sustentável é que destrói o futuro de países ou de empresas. É o famoso conceito da seleção natural de Charles Darwin: sobrevive quem consegue se adaptar.
O que está acontecendo hoje na Grécia não é novo. Já foi escrito e encenado milhares de vezes no drama humano da dissimulação do poder. O governo tanto não conseguiu fazer as mudanças impostas pelos antigos credores, como criou descaradas mentiras contábeis para esconder o fato. Para piorar, o partido que afundou o país pode voltar ao poder nas eleições nesse ano de 2012. Cada parlamentar grego custa à nação quase o dobro de um parlamentar alemão. Para complicar, um quarto dos gregos são funcionários públicos. Talvez por isso, poucos gregos aceitam qualquer mudança da situação crítica que ameaça a estabilidade do país e do continente europeu. Preferem culpar os outros, mesmo com uma herança crônica.
Em janeiro de 2012, a Kodak pediu ao governo norte-americano proteção contra a falência, depois de uma impressionante história de mais de 120 anos. Com um início inovador, “Você aperta o botão e nós fazemos o resto”, a empresa se esqueceu da sua promessa inicial. Justamente por causa dessa cultura investigativa, um funcionário da Kodak inventou o primeiro equipamento digital de captação de imagens em 1975. Ao invés de se adaptar aos novos tempos, a Kodak engavetou o invento com o receio de destruir o seu negócio de filmes. Pois os filmes morreram, como as árvores na Ilha da Páscoa, mas para a Kodak a queda foi mais rápida. O colapso, que demorava séculos para acontecer, diminuiu para poucos anos.
Nações ou empresas não conseguem criar uma permanente cultura de mudança e adaptação. As desculpas são variadas e esbarram sempre na paralisia do medo da mudança. Diretorias costumam preferir a mudança gradativa o que é uma ilusão traiçoeira. A procura pela segurança cria muros fantasiosos de estabilidade.
Não existe dúvida de que estamos diante de um impasse que nunca existiu antes na história planetária. Quando as civilizações entravam em colapso, a raça humana se adaptava e seguia evoluindo. Aqui e ali, caíam populações inteiras, mas a mãe Terra era generosa e alimentava os sobreviventes. Agora, as empresas e os países estão ameaçados pela intolerância, ganância e imobilidade. Ninguém quer abrir mão de qualquer coisa, de qualquer conquista ou de qualquer crença. Desejamos que os outros mudem. Porém, “a forma mais eficaz de gerenciar a mudança é criá-la”, dizia Peter Drucker. Apesar da clareza dos argumentos, a maior parte do empresariado está trabalhando para um retorno ao capitalismo tradicional. Somente os descontentes querem mudar, mas como?
Uma possível solução foi oferecida em fevereiro de 2012 em um artigo sobre capitalismo sustentável, por Al Gore e David Blood. O ex-vice-presidente e ex-sócio da Goldman Sachs criaram em 2004 um fundo de investimentos sustentável visando o longo prazo com foco conjunto em fatores ambientais, sociais e econômicos. Eles tinham esperança que em 2008 poderiam alavancar o negócio provando que investimentos sustentáveis podem oferecer um retorno de lucro maximizado. Mas 2008 foi o ano da crise.
Na sua análise, a dupla diz que a perspectiva administrativa de curto prazo está destruindo as empresas e a economia planetária. Eles oferecem algumas ideias para um capitalismo mais sustentável. Regular a integração dos relatórios financeiros em uma forma condensada. Afastar-se da orientação de lucros trimestrais. Recompensar melhor os investidores fiéis que mantiverem suas carteiras por três anos ou mais. Criar um alinhamento de incentivo para os gerentes e executivos ligados ao futuro da empresa. Al Gore denuncia o malefício das transações algorítmicas de alta frequência. “A ideia de que maior liquidez é sempre melhor, não é verdade.”
Todos nós intuímos quais atitudes tomar quando queremos emagrecer. Sabemos que devemos comer menos e melhor. Também sabemos que aquela batata frita não é um alimento saudável. Mas por algum mistério, acreditamos em dietas mágicas, ou então adiamos uma mudança sobre nossa alimentação. Como crianças ansiosas, temos dificuldades em acreditar que as restrições de curto prazo nos oferecem um futuro melhor.
Sabemos que devemos ter atitudes mais cidadãs, pensar menos em nós mesmos e mais no coletivo. Não deveríamos desejar mais coisas e sim viver com coisas suficientes. Nosso materialismo deveria caminhar para o holismo, assim como a quantidade deveria ser substituída pela qualidade. Não adianta pensar no curto prazo, devemos nos preocupar com a herança social, ambiental e financeira dos nossos filhos e netos. Não adianta ficar preso aos direitos conquistados, mas temos que repensar quais são nossas responsabilidades diante do impasse da nossa cidade e do mundo inteiro. Nesse momento, os problemas dos outros também são os nossos. Se a Terra não precisa dos humanos, todos nós precisamos dela.
A sustentabilidade é uma prática de adaptabilidade contínua. Na prática, o inverso não é verdadeiro. O capitalismo se adapta e premia os mais adaptáveis, sem se preocupar com a sustentabilidade. Pois agora, diante de um colapso anunciado, precisa-se respeitar pelo menos um princípio da biologia: a perpetuidade de uma espécie depende das outras. Qualquer negócio será mais longevo se respeitar as leis da biologia. Empresas, estados e capitalismo, adaptem-se ou o sistema econômico morre.
Romério Gaspar Schrammel/texto original de Rique Nitzsche