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01/05/2012 22:02

JANELA ABERTA

Você já deve ter vivenciado uma sensação de já não saber distinguir o real do virtual. Se você já teve esta sensação real então você vive no mundo virtual que é o real. Parece sena de novela. Estávamos assistindo Aquele Beijo, quando um policial indagava Grace Kelly sobre um telefonema. Este, o telefonema, dava pistas sobre quem poderia estar envolvido no assalto sofrido pela mãe de Grace Kelly. Incrível, havíamos assistido a tudo. A cena quando Grace pediu dinheiro emprestado à mãe e esta negou. A cena quando uma funcionária sugeriu, à Grace, a morte da mãe para ser herdeira e poder usufruir do dinheiro. Desliga a TV, ordenei à filha. Sabem que nós assistimos ao “plano” e não faltará momento para nos envolverem como cúmplices nesta história, imaginei. Sem compreender, minha filha desligou a televisão e voltamos nossa atenção às leituras que fazíamos enquanto atirávamos um olhar, vez por outra, à janela - a televisão.

Tenho muito medo de tudo - das coisas - do jeito que são resolvidas ou não são. A lição: o bom não pode começar até que o mal termine. Há um tempo para iniciar as coisas e um tempo para terminá-las e é assim que a vida funciona. Minha filha e eu devoramos livros. No índice de leituras, estamos muito mais para os franceses do que para o índice dos brasileiros. O brasileiro lê, em média, quatro livros por ano – um dos mais baixos índices do planeta. Já os franceses leem 1,3 livros por semana. A neurociência e a experiência têm demonstrado que podemos mudar e que novos caminhos podem ser construídos para que possamos alterar a maneira como pensamos e agimos.

Lembrei-me do filme Examination Days (Dia da Prova). Numa sociedade futurista, pai e mãe se preocupam com o filho. O filho é nota dez, não tem problemas. O problema é que o Dia da Prova está chegando. A prova é aplicada pelo Estado, pelo governo, e é destinada a todos os adolescentes lá pelos 14 anos. Lá vai o guri realizar a prova. O menino não volta para casa. No final do episódio, ficamos sabendo, por meio de um comunicado feito pelo governo aos pais, que o menino fez a prova, passou, mas infelizmente o quociente de inteligência do garoto ultrapassou o limite permitido pelo governo. O menino foi morto.

O Examination Days brasileiro não sacrifica não! Tudo controlado pelo Estado. Sacrifica a escola, sacrifica também a leitura. Os pais não devem se preocupar, os filhos terão o que precisam. As cotas e demais possibilidades disponibilizadas aos alunos garantem o sustento, mas mantêm a “qualidade” e tudo continuará andando do “jeito brasileiro”.

O STJ absolveu de estupro o autor de prática sexual com meninas de 12 anos. Este concluiu que elas já haviam se prostituído. Mesmo isolado numa pequena cela do presídio federal de Mossoró, Rio Grande do Norte, Carlinhos Cachoeira atemoriza muita gente. Oficiais de Justiça demoraram quase quatro anos para notificar o ex-presidente Fernando Collor. Gravações que sustentavam ação no STF contra o deputado Edson Giroto e o filho do governador de Mato Grosso do Sul desapareceram e agora comprometem a atuação da Justiça. Agora, escreve Paulo Santana em sua coluna do dia 1º de maio, “o Supremo Tribunal Federal contrariou de modo frontal a Constituição, que aquele tribunal jurou defender. ... contrariou? Porque o princípio basilar da Constituição é o de que ‘todos são iguais perante a lei’. ... decretando que os negros passem a não ser iguais perante a lei...” Pode, este Supremo, amanhã concluir sermos cúmplices de Grace Kelly. Tudo é uma questão de interpretação. Fecha a janela!

                                 Prof. Romério Gaspar Schrammel

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25/04/2012 15:44

SUSTENTABILIDADE

Sustentabilidade é um método de colheita ou de uso de determinado recurso de maneira que este não seja esgotado ou permanentemente danificado. É assim que o dicionário Webster a define. Penso que, ao falar de recursos, não podemos excluir as pessoas. A sustentabilidade de uma empresa ou sociedade saudável passa pela qualificação, motivação, renovação e reinvenção do recurso que é o funcionário, o cidadão. São imprescindíveis para a sustentabilidade de fato acontecer: os finais, a poda e o luto.

O bom não pode começar antes que o mal termine. Precisamos fazer escolhas e tomar decisões. A vida tem estações, estágios e fases. Sem a capacidade de finalizar coisas, as pessoas ficam estagnadas, sem jamais chegar ao que podem ser, sem jamais aproveitar todos os talentos e as habilidades que poderiam desenvolver. Há relacionamentos que têm de ser descartados, práticas e fases que precisam ser abandonadas e estágios que necessitam ser concluídos para abrir espaço ao próximo. No Livro de Eclesiastes, da Bíblia, a mensagem é que há um tempo para iniciar as coisas e um tempo para terminá-las e é assim que a vida funciona. Líderes são pessoas e pessoas têm problemas que atravessam seu caminho, impedindo-os de concretizar suas melhores ideias, planos e realidade. E quando se trata de finais, não são poucos os problemas que mantêm as pessoas estagnadas. Em algum ponto da rota, nós não fomos equipados com o discernimento e a coragem e as habilidades necessários para iniciar, prosseguir e completar esses finais necessários.

A poda é suprimir, é remover o que quer que seja em seu negócio ou em sua vida cujo alcance é indesejável ou supérfluo. Se uma iniciativa desvia recursos que poderiam ser oferecidos a algo mais promissor, deve ser podado. Se um empreendimento está doente ou não vai bem, deve ser podado. Se está claro que algo morreu, deve ser podado. Por pior que os resultados da falta de poda possam ser, nós ainda persistimos em evitá-la, porque implica medo, sofrimento e conflito. Para ter sucesso é preciso podar. Se ninguém deixa sua organização ou sua vida, então está teimando em não ver isso e deixa que doentes sem perspectiva de cura se espalhem a sua volta.

Organizações cometem seus maiores equívocos quando o modo de pensar não leva em consideração a perspectiva da realidade. Outro engano envolve atitudes ilusórias que reforçam a realidade ilusória. Muitas pessoas têm uma mentalidade ou atitude ilusória que perpetua a velha e imprecisa realidade.

Encarar a realidade, fazer podas é uma despedida mental e emocional: o luto. Isso significa encarar a realidade que acabou. Representa sair da negação e da dormência emocional e sentir o que quer que venha.  A coisa boa é que o luto tem movimento.  Ao contrário de emoções que nos levam a lugar nenhum e que de fato nos mantêm imóveis, os sentimentos de luto implicam movimentos para frente. Quando sofremos o luto, estamos lidando com uma realidade que acabou. Terminou.

Toda essa reflexão para dizer que há muitas pessoas, muitas empresas, a política que necessitam urgentemente de poda. A comunidade já não reage. Como escreveu David Coimbra no texto Para sentir Vergonha, “Onde está a solidariedade da espécie? Há manifestações ruidosas a favor das bicicletas, mas ninguém sai às ruas para protestar contra um estado que mantém seres humanos vivendo em meio aos excrementos, dormindo na pedra dura, comendo lixo e sendo currados todos os dias”. Em nossa sociedade muito já não se sustenta, pois seus cidadãos estão danificados. O bom não pode começar antes que o mal termine.

Prof. Romério Gaspar Schrammel

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04/03/2012 00:49

ENSINAR A PENSAR

Outro dia escrevi sobre o aluno e sua natureza. O tema foi pauta da mensagem aos alunos concluintes do Ensino Fundamental, na Unidade Taquari. A verdade é que o escrito tem trazido reações – o que é muito bom. Está em pauta um assunto que nos tem desafiado há tempo – ensinar a pensar.

O professor, ao adentrar uma sala de aula, está lá, senhor do conhecimento, de um conhecimento adonado. Se o professor deve desenvolver no seu aluno o homem de entendimento, o homem de razão e o homem de instrução, respectivamente, como o fará se aprendeu a distribuir conhecimentos recebidos de outrem, de professores e de livros. Ler e aprender são coisas que qualquer aluno pode fazer por seu próprio livre arbítrio, mas pensar não. O pensar deve ser incitado, deve ser sustentado por algum interesse no assunto em questão. O interesse encontra-se nas cabeças que pensam por natureza, para as quais pensar é tão natural quanto respirar. Estudar, decorar para provas, força pensamentos alheios sobre a mente, homens que pensam são os que vão ao livro da Natureza – foram estes que esclareceram o mundo e levaram a humanidade um passo adiante. Um homem deve ler quando a fonte de seus pensamentos estagna. Aquele que pensa por si se empenha como vivente feito pela Natureza. A mente pensante é alimentada pelo ambiente.

Tenho repetido aos professores e funcionários que há, em nossa unidade, um sentimento no ar de algo a se revelar, que nos fará encontrar um caminho: ensinar a pensar. O desafio está no que acontece em sala de aula – no interagir com o aluno. O professor não tem a tarefa de trazer conhecimento pronto, feito por outros. O professor não se desafia, tem medo, do erro, de pessoas presas a sua época, está condenado pelo seu passado. A natureza do professor, e de muitos pais, foi destruída – na escola. Não podemos cometer o mesmo erro. Sempre me lembro de uma passagem da biografia de Nietzsche que diz que “tinha o poder de entusiasmar os jovens para a disciplina que ensinava. Excelente professor, não visava ao simples acúmulo de conhecimento – pelo contrário, insistia no desenvolvimento do senso crítico e da atividade criadora de cada um. Incitava os alunos a exprimirem livremente suas opiniões, incentivava-os a fazerem suas leituras pessoais. Não precisava castigar, porque punha para trabalhar mesmo os alunos mais relapsos. Durante as conversas o professor Nietzsche procurava ouvir mais do que falar; através de perguntas estimulava seu interlocutor a exprimir livremente suas opiniões, mesmo quando se tratava de um de seus alunos. Era um homem de poucas palavras, mas sua alegria era visível quando um aluno medíocre conseguia um bom resultado. Preparava os alunos para que soubessem falar espontaneamente, sem recorrer às anotações.” O que o aluno procura é proficiência no método de refletir e fazer inferências por si.

O ensino “tradicional”, decorar, estudar para provas é condenar o aluno a estar sempre atrás do mestre, é condená-lo a ser sempre leitor, nunca autor. Um homem pode sempre sentar-se e ler, mas não pensar. Um homem não deve ler em demasia, nem decorar conhecimentos alheios, a fim de que sua mente não se torne acostumada ao substituto e, consequentemente, esqueça a realidade, a fim de que não se acostume a seguir caminhos que já foram trilhados, seguindo um curso de pensamento alheio e esquecendo o próprio. Uma pessoa que pensa por si pode ser facilmente diferenciada pelo modo como fala, pela sua acentuada honestidade e a originalidade, retidão e convicção pessoal que marcam todos seus pensamentos e expressões.

A escola está há muitos anos, dentro de uma redoma que a tem separado da sociedade. Os professores devem transpor este obstáculo, a redoma, e sentir-se parte integrante da sociedade. Educar significa extrair, tirar do aluno aquilo que ele já traz no seu interior, resgatando o valor imenso que deve ser dado pelo aluno à vida, tanto a sua própria como a de seu semelhante e de outros seres vivos. Escola é um espaço de questionamento, de convivência, de troca – é um laboratório de dúvidas. Um grande professor não abate nunca um aluno questionador e ainda potencializa os medíocres. A ideia da nossa Escola é o aluno aprender que o ideal é ele não perder a sua natureza.

                       Prof. Romério Gaspar Schrammel

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