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21/11/2013 17:13

ÍNDICE DE PROGRESSO SOCIAL

 

O Índice de Progresso Social, lançado há poucas semanas, em vez de considerar apenas o sucesso econômico, considera outros componentes que integram a medida que avalia a prosperidade dos países. Criado por Michael Porter, o índice se vale de 52 indicadores agrupados em três categorias principais: necessidades humanas básicas, fundamentos de bem-estar e oportunidades. O objetivo é dar visibilidade a aspectos que interferem diretamente na qualidade de vida, mas que em geral ficam escondidos nas estatísticas de renda média dos habitantes.

No ranking desse novo indicador, o Brasil ocupa o 18º lugar numa lista de 50 nações – atrás, por exemplo, da Costa Rica. Embora tenha uma renda per capita muito próxima à brasileira, a Costa Rica Pontuou melhor em aspectos como oportunidade para os cidadãos.

Dentro de cada um desses tópicos, há subitens. Em oportunidades, um dos quesitos que puxou o Brasil para cima é o “tolerância e respeito”, onde o país ocupa a segunda posição. Ainda dentro do mesmo tópico, de oportunidades, no subitem “igualdade de oportunidades para minorias étnicas”, o Brasil aparece em primeiro lugar.

Na outra ponta, o Brasil foi muito mal em segurança pessoal, que está no tópico necessidades humanas básicas”. Nesse quesito, ficou em 46ª posição e, no quesito “taxa de homicídios”, ficou na 47ª.

Em relação ao item “mulheres tratadas com respeito”, que fica dentro do tópico oportunidades, o Brasil também ficou muito mal ocupando o 43º lugar.

De acordo com o especialista, a intenção é que os dados sirvam de parâmetros para os governos pensarem em suas políticas públicas.

O Brasil, por exemplo, está na 30º posição no item necessidades humanas básicas, em 33º em acesso ao ensino superior e em 31º em qualidade da saúde.

De acordo com Porter, para a edição inicial da pesquisa foram levados em conta 50 países que tinham dados compatíveis que pudessem ser cruzados. Michael Porter teve a ajuda de economistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT) para criar o índice, que é respaldado por empresas privadas e instituições sem fins lucrativos, como Deloitte, Skoll Foundation, Fundación Avina, Cisco e Banco Compartanos. Em seu primeiro ano de aplicação, o IPS já gerou informações e análises sobre o contexto social de cerca de 50 países. A intenção é fazer a edição do ano que vem com 100 países. Alguns itens a mais, como mobilidade urbana, poderão ser incluídos. E para o próximo ano serão formados comitês parceiros locais que irão analisar os dados e propor ações para melhorar as condições sociais de cada país.

Fonte: Revista Exame, Globo e Deloitte.

IDEIAS & NÚMEROS em 21, NOV. 2013

 

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13/11/2013 15:23

POR QUE REPROVAR NÃO FUNCIONA?

 

A reprovação ganhou novo fôlego no debate educacional brasileiro. Em meados de agosto o prefeito do município de São Paulo, Fernando Haddad, anunciou o programa `Mais Educação São Paulo`. Se a proposta original for mantida, a partir de 2014, a reprovação poderá acontecer em cinco momentos diferentes do ensino fundamental, ao invés de dois, como ocorre há 21 anos na rede paulistana de ensino.

No último dia 8 de novembro foi a vez do governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, lançar medida semelhante. A partir de 2014, os alunos do sistema paulista de ensino poderão ser reprovados em três momentos dos nove anos do ensino fundamental, ao invés de dois, como ocorre hoje.

As medidas parecem contar com apoio popular e, segundo os governantes, têm a adesão de boa parte dos professores. Contudo, distante do que defende o suposto senso comum, as pesquisas em educação mostram que reprovar não funciona.

A defesa da reprovação possui inúmeros significados, em geral alheios à questão da aprendizagem. O saudosismo, traço comum em quase todo adulto, é um dos mais importantes fatores do fenômeno. Não é raro presenciar ex-alunos que tiveram dificuldades de aprendizagem e histórico de reprovação fazendo defesa de sua escola autoritária, excludente e cruel. Em seu exame particular do passado concluem que sofreram, mas venceram, e se foi assim com eles, porque as crianças e os adolescentes de hoje não podem passar pelo mesmo? Nem chegam a considerar que uma escola boa e justa poderia ter lhes propiciado instrumentos melhores de preparação para a vida.

A disciplina, elemento central da vida, é filha do engajamento, não do castigo. Educar é estimular o aluno, construir sentido, estabelecer vínculos, desenvolver valores e exercitar os raciocínios lógico, analítico e crítico. Para tudo isso, regras, papéis e combinados precisam ser acordados e respeitados.

A questão é que a reprovação como medida pedagógica contraria a razão. O fracasso não estimula ninguém a aprender, muito menos a estigmatizacão. Insistir na repetição de um conteúdo por mais um ano escolar não é uma estratégia pedagógica eficaz. Além de sofrer o constrangimento de ficar novamente no mesmo ano de escolaridade, o aluno repetente acaba sendo obrigado a conviver com colegas mais novos, mobilizados por interesses distintos, o que é ruim para tanto ele como para os demais.

Em termos de políticas públicas, o apoio à reprovação resulta da rejeição social à política de progressão continuada, popularmente conhecida como aprovação automática. Ela parte do comprovado pressuposto de que todos têm capacidade de aprender, em qualquer fase da vida, mas de diferentes formas e em tempos distintos. Nenhuma sala de aula é homogênea.

No Brasil são raros os exemplos de boa aplicação da progressão continuada ou da chamada política de ciclos. Invariavelmente, ela exige esforços contínuos para a garantia da aprendizagem, como o estabelecimento de uma clara e inteligente política curricular, o apoio e acompanhamento cotidiano aos professores e estudantes, a fixação dos docentes em apenas uma unidade escolar – favorecendo o trabalho em equipe –, a adequação do número de alunos por turma e a implantação da educação em tempo integral.

Também é necessário que o trabalho de reforço no contra turno envolva o uso de metodologias inovadoras, capazes de engajar e mobilizar professores e estudantes, dando condições para uma abordagem mais individualizada, conforme as necessidades de cada aluno. Ademais, é preciso articular as políticas educacionais com as políticas de cultura, esporte, saúde e mobilidade urbana, especialmente em regiões com alta vulnerabilidade socioeconômica e civil.

É justo reconhecer que as medidas dos governos paulistano e paulista não se reduzem à reprovação, contudo dão foco excessivo a ela, além de não corrigirem impedimentos históricos aos ciclos de aprendizagem. E é verdade que boa parte da rejeição à política de `aprovação automática` deveu-se a certa maquiagem das estatísticas educacionais, exibindo uma falsa produtividade das escolas.

Em casa, invariavelmente, as famílias percebem que suas crianças e adolescentes não aprendem. E isso é tanto frustrante quanto revoltante. Contudo, a retomada da reprovação não será remédio eficaz para esse problema. Antes, é preciso oferecer meios claros e eficazes para garantir a exigibilidade da qualidade da educação por parte das famílias. Além de estimular a participação dos familiares na gestão escolar.

A questão, portanto, não é reprovar ou aprovar, o desafio é garantir que o aluno aprenda. E para isso, o caminho correto, porém trabalhoso, é instituir com seriedade e honestidade a política de ciclos.

Poucos reconhecem, mas mesmo diante do desmazelo em sua implementação, a política de ciclos deixou um importante legado no debate educacional brasileiro desde 1990: as dificuldades de aprendizado dos estudantes deixaram de ser unicamente um problema dos alunos e de suas famílias e passaram a ser uma responsabilidade compartilhada com os sistemas de ensino. Na contramão dessa conquista, retomar a reprovação como medida pedagógica pode ter o efeito inverso, afrouxando exatamente a responsabilização dos gestores públicos. (Daniel Cara - UOL Educação - 12/11/2013 - São Paulo, SP)

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11/11/2013 20:50

A EDUCAÇÃO EM ESCOMBROS

 

Se ainda faltasse alguma prova da crise educacional brasileira, o novo relatório da Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre a escassez de pessoal para a construção seria mais que suficiente. Durante muito tempo as construtoras foram uma das principais portas de entrada para o trabalho urbano. Absorviam enormes contingentes de mão de obra de baixa escolaridade e ofereciam ocupação mesmo a analfabetos. Programas de investimento em obras de infraestrutura e em construções habitacionais contribuíam de forma importante para a criação direta e para a manutenção de empregos. Hoje essa porta é muito menos ampla, porque a tecnologia mudou e a atividade requer outro tipo de trabalhador. Mas a política educacional foi incapaz de acompanhar essa mudança e o descompasso é evidenciado, mais uma vez, pela sondagem da CNI.

Mesmo com o ritmo de produção abaixo do esperado, o setor da construção continua encontrando muita dificuldade para contratar mão de obra adequada às suas necessidades. O problema foi apontado por 74% das 424 empresas consultadas na sondagem recém-divulgada. Há dois anos a queixa havia aparecido em 88% das respostas, mas o nível de atividade era bem mais alto e isso se refletia na procura de trabalhadores. Mas o detalhe mais alarmante é outro. A falta de pessoal para as atividades básicas - pedreiros e serventes - foi apontada por 94% das firmas com problemas para preenchimento de quadros. Parcela pouco menor (92%) indicou escassez de funcionários técnicos para ocupações ligadas diretamente à obra.

As indústrias consultadas mencionaram problemas para preenchimento de postos em todos os segmentos e em todos os níveis administrativos. Em relação à gerência, por exemplo, queixas foram apresentadas por 69% das empresas com dificuldades de contratação. De modo geral, os níveis de insatisfação quanto às condições do mercado foram tanto mais altos quanto maior o porte da companhia consultada. A falta de trabalhadores qualificados - a questão mais genérica - foi apontada como problema importante por 81% das empresas grandes, 77% das médias e 64% das pequenas. A média dessas respostas ficou em 74%.

A qualificação de pessoal na própria empresa é a solução mais comum, mas também a aplicação desse remédio está longe de resolver o problema. Alta rotatividade, pouco interesse dos trabalhadores e baixa qualidade da educação básica foram os principais obstáculos apontados pelas companhias consultadas. Mas o terceiro item apontado, a educação básica deficiente, talvez seja a explicação mais provável tanto do desinteresse dos trabalhadores como da rotatividade.

A sondagem do setor da construção complementa com um toque especialmente dramático o cenário mostrado, há poucos dias, na última pesquisa sobre os demais segmentos da indústria. Também neste caso é relevante levar em conta o baixo nível de atividade do setor: mesmo com a lenta recuperação registrada depois de um ano de retração, as empresas continuam com problemas para preencher seus quadros.

Praticamente dois terços das firmas (65%) indicaram dificuldades para encontrar pessoal qualificado. Desse grupo, 81% procuram qualificar os trabalhadores na própria empresa. Mas também neste caso a tarefa é dificultada pela falha da escola. A baixa qualidade da educação básica foi apontada como a maior causa de dificuldade por 49% das empresas com problemas de preenchimento de postos.

Esses dados esclarecem facilmente um paradoxo aparente. Por que - muitas pessoas têm perguntado - as empresas têm evitado demitir, apesar do baixo nível de atividade a partir de 2011? A resposta é evidente. Além dos custos da demissão, os administradores levaram em conta as dificuldades para recompor os quadros.

Durante quase dez anos a administração petista deu prioridade à ampliação do acesso às faculdades, para facilitar a distribuição de diplomas. Quase nenhuma atenção foi dada aos outros níveis. A escassez de mão de obra com a formação mínima é uma das consequências desse erro, ao lado, é claro, da perda de competitividade.

O Estado de São Paulo – 11/11/2013 – São Paulo, SP

 

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07/11/2013 18:22

UMA NOVA REFORMA DO ENSINO?

 

Todos sabem que a educação brasileira como um todo atravessa dias difíceis, dada a sua comprovada incapacidade para formar bem as novas gerações, instrumentando-as devidamente para o seu enfrentamento com os desafios da Era do Conhecimento, em que se vive hoje. Mas se o panorama é desolador da pré-escola à pós-graduação, a gravidade maior concentra-se na educação básica (ensinos fundamental e médio), como vêm atestando as avaliações nacionais (Ideb, Enem) e internacionais (Pisa, Unesco), nas quais se constata que os nossos jovens chegam ao final dos cursos sem aprender a ler, com compreensão e proveito, textos simples de livros, jornais e revistas nem a fazer uso adequado das operações aritméticas (o que dizer das geométricas e trigonométricas?).

Mais grave fica esse quadro quando se sabe que tal nível da educação deveria ser o mais qualificado, por ser obrigatório para todos os brasileiros. Para a maioria da população será essa a única escolarização formal pelo resto da vida. Assim sendo, ou se qualifica essa educação básica com urgência ou o Brasil dificilmente chegará às suas aspirações nacionais de democracia plena, desenvolvimento sustentado e justiça social amplificada. Como remédio para esses males há quem defenda a superveniência de uma nova reforma global do ensino.

Será realmente esse o caminho a tomar? Porque, das muitas reformas que por aqui se fizeram no século 20, incluindo as quatro Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDBs) - a de 1961, a de 1968, a de 1971 e a de 1996 -, quase nada chegou às salas de aula para proveito e qualificação da aprendizagem. Na verdade, seria possível, a nosso ver, melhorar consideravelmente a qualidade de desempenho do sistema tomando algumas medidas de emergência, no lugar das complexas reformas que, pelas polêmicas que provocam no Congresso Nacional, têm levado até decênios para ser aprovadas.

Uma dessas medidas inadiáveis diz respeito à formação de professores para a educação básica. Afinal, têm sido eles heróis frustrados que se extenuam no cumprimento do dever sem a alegria de desfrutar as recompensas que lhes seriam devidas. Tem-se assistido ultimamente a mudanças radicais pelo mundo afora, notadamente no que se refere à dominância da ciência e da tecnologia no campo do conhecimento. Apesar disso, a educação no Brasil persiste em sua fidelidade aos modelos antigos e resiste à modernização de seus currículos e processos didáticos: em vez de formar as novas gerações com vista ao futuro, ela o faz com ênfases indevidas no passado. E isso tem muito que ver com a estrutura e o funcionamento dos cursos de licenciatura, que formam, em nível universitário, os professores dos ensinos fundamental e médio. Haveria que inseri-los na modernidade temática trazida pelas mudanças acima apontadas e, também, em novas modalidades didáticas, como as nascidas do avanço havido no campo da comunicação, com a valorização da imagética sobre a textualidade.

Todos os inquéritos da mídia feitos com alunos do ensino básico acerca das razões por que são reprovados ou se evadem dos cursos, com destaque para o nível médio, revelam a presença do termo `desinteresse` nas respostas dadas aos questionários. À vista de situações como essas, que se agravam continuamente, impõe-se promover com urgência uma ampla mudança nos cursos de Pedagogia, que poderiam, por exemplo, teorizar menos sobre doutrinas pedagógicas - tema mais apropriado para as pós-graduações - e dedicar maior carga horária às práticas de ensino.

É ler sobre como se formam os mestres da Finlândia e da Coreia do Sul - os dois países mais adiantados em educação do mundo atual - e verificar que nenhum professor por lá sai da faculdade sem levar consigo o domínio desses instrumentos essenciais ao desempenho produtivo na arte de ensinar. São estas as duas principais queixas dos jovens em relação às suas escolas: 1) A falta de expertise dos professores em relacionar o aspecto teórico com o prático no ensino de sua disciplina; e 2) o excesso de discurso e a ausência da ajuda do `e-learning` nos processos didáticos em sala de aula.

Haveria que acrescentar a necessidade de dar ênfase durante o curso de licenciatura ao desenvolvimento pelos mestres da habilidade de os alunos, no uso continuado de um autodidatismo extraescolar, dominarem a pesquisa informatizada, na busca dos saberes de que necessitem para seu melhor convívio com as novidades tecnológicas da era atual.

Não será demais lembrar que qualquer dessas mudanças de nada valerá se não for acompanhada de uma atenção especial a ser dada à condição profissional e salarial do professor, hoje reduzido a um `proletário do giz`, conforme a feliz expressão usada em artigo publicado pelo Estadão e assinado por Alfredo Bosi. Porque só haverá interesse das melhores cabeças pelo exercício do magistério se as remunerações passarem a ser minimamente atrativas e dignas. Vale aqui lembrar, com um toque de humor, aquela antiga figura do `chupim` (senhores sem profissão que se casavam com professoras, então bem remuneradas, para viverem confortavelmente). Urge criar condições para que ressurjam os `chupins`...

É claro que não serão essas as únicas medidas necessárias para a superação da crise educacional do Brasil. Mas que seriam um bom começo, isso seriam! Até porque uma nova reforma envolvendo todos os graus de ensino não só arrastaria no tempo as deficiências hoje vigentes no setor, como ainda estaria sujeita a uma demorada maturação - segundo A. M. Huberman, no seu estudo Como se Realizam as Mudanças em Educação (Editora Cultrix, 1973, SP), as inovações em educação levam um tempo que vai de 10 a 20 anos para serem devidamente aceitas pelo sistema.

*Paulo Nathanael Pereira de Souza é educador e presidente da Academia Paulista de Educação.

Autor: Paulo Nathanael Pereira de Souza - O Estado de São Paulo - 07/11/2013 - São Paulo, SP

 

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05/11/2013 16:53

A EDUCAÇÃO 3.0 AINDA NÃO CHEGOU À SALA E CONTINUA NO CORRETOR DA ESCOLA

 

Roney Signorini*

A educação 3.0 representa uma mudança de paradigma, porque – inserida em uma sociedade em constante mudança – tem de reinventar-se para formar cidadãos que respondam às exigências do seu entorno, dotados de muitas habilidades e preparados para o mundo de hoje e, sobretudo, do amanhã.

A tarefa não é simples, pois não basta trocar a lousa, giz e cuspe pela lousa eletrônica; o caderno, pelo tablet; a caneta, pelo teclado. A educação 3.0 pressupõe uma mudança física do espaço escolar – o layout das salas de aula tem de alterar-se para responder à exigência de um trabalho colaborativo e com uso de dispositivos tecnológicos, que tornam a aprendizagem “mais viva, instigante, rica e profunda”, nas palavras de Jim Lengel, consultor e professor da Universidade de Nova York, especialista em educação 3.0. A mudança mais profunda, porém, é de mentalidades – professores e alunos antenados com as demandas de uma nova sociedade. Os alunos, sobretudo, estarão imersos numa aprendizagem contínua com o auxílio dos dispositivos móveis de comunicação.

A educação 3.0 exige que o professor não seja mais um mero transmissor de conhecimentos (a famosa educação bancária a que já se opunha o construtivismo), mas alguém capaz de promover no aluno a curiosidade e a capacidade de transformar informação em conhecimento, em alguém capaz de aplicar esse conhecimento para elaborar soluções para problemas reais, tirando o máximo partido das tecnologias da informação e da comunicação. Para isso, esse novo professor, deve desenvolver as habilidades dos alunos e ser capaz de contribuir para que as alterações curriculares correspondam às necessidades da sociedade. Assim, estas questões fundamentais a todo processo educativo devem ser repensadas:

Ø o que ensinar? Que conteúdos exige a nova sociedade?;

Ø como ensinar? Que metodologia usar para que o aluno atinja os objetivos que quer atingir?;

Ø com o que ensinar? Que recursos didáticos utilizar? Aqui o vasto aparato tecnológico (a que a maioria dos jovens tem acesso) deve ser incorporado à didática: redes sociais, podcasts, fóruns virtuais, publicação e compartilhamento online de arquivos em multimídia etc.

Como a sociedade 3.0 exige pessoas capazes não mais de repetir tarefas “fabris”, mas de solucionar problemas reais e inéditos, os conteúdos curriculares devem ser repensados e a metodologia também: a solução de problemas requer criatividade e trabalho colaborativo diversificado: a participação de professores das diferentes áreas e disciplinas; a contribuição também de especialistas de diversas áreas e de profissionais atuantes na sociedade.

Para João Alberto Rodrigues de Souza, Presidente do Sinesp, “o conceito de Educação 3.0 está associado ao de sociedade 3.0. A cena cultural fundada em novos paradigmas é um dado de nossa realidade concreta. Caracterizada pela ênfase na inovação, por aceleradas mudanças tecnológicas e sociais, pela globalização e pela horizontalidade na transmissão do conhecimento e nos relacionamentos humanos. É preciso ter clareza sobre a presença dos recursos tecnológicos digitais na vida dos estudantes e de como se corporificam nas formas pelas quais o mundo em que vivem mediatiza a práxis escolar. A noção de que há diversas outras fontes para obtenção de informações se insere naturalmente em teses de há muito defendidas por educadores de que está esgotado o modelo do professor como único depositário do saber.”

Gonçalo Margall, Diretor do Sapienti, revela que “se a educação é o espaço de transformação e evolução do homem por excelência, estamos vivendo, agora, um novo limiar de mudanças. A soma dos conceitos da educação adaptativa com a tecnologia disponível na educação 3.0 faz com que pela primeira vez na história da humanidade seja possível reunir dois grandes feitos: focar a educação no perfil individual do aluno, e fazer isso com milhões de alunos ao mesmo tempo.

Na primeira onda da educação, período que conforme o autor define o que foi a educação 1.0, durou milênios ou séculos e que nos últimos 100 anos assistimos ao império da educação 2.0. O formato da educação oferecida era o que todos conhecemos: a sala de aula é o espaço de ensino e aprendizagem por excelência; o aluno é visto como mais um dentro de um grupo, e deve apresentar a performance e o comportamento que se espera de sua classe, ou grupo.” E Margall acrescenta que “o mundo digital é o que torna possível a educação 3.0

Para se tornar uma realidade e promover o ensino individualizado, sintonizado com as potencialidades e carências de cada aluno, a educação 3.0 depende pesadamente de sofisticadas infraestruturas e aplicações tecnológicas. É somente num mundo digital, conectado e interativo que a educação 3.0 acontece. Sem a tecnologia, o sonho de dar um tratamento único e sob medida para cada criança, cada aluno, nos faria voltar ao século XVIII, quando havia um tutor para cada aluno.”

Já o doutor pela Unicamp, Edvaldo Couto, professor da federal da Bahia, em entrevista ao Portal Porvir, para Vinicius Bopprê, pontua que “A mera presença dos objetos técnicos em sala de aula não significa necessariamente inovação. Pode até ser um grande retrocesso. O computador sozinho não faz nada”. “Ele trabalha em suas pesquisas temas como cibercultura, tecnologias educacionais e criação de narrativas em ambientes digitais. Defensor assíduo do uso de toda e qualquer tecnologia em sala de aula, Edvaldo acredita que a Educação 3.0 será aplicada com sucesso quando alguns problemas estiveram solucionados, como a falta de infraestrutura nas escolas e a má formação tecnológica dos professores.”

Para o arremate, Edvaldo é contundente ao apontar três condições pois “A mera presença dos objetos técnicos em sala de aula não significa necessariamente inovação. Pode até ser um grande retrocesso. O computador sozinho não faz nada. A Educação 3.0 é a tecnologia de pessoas, que integra pessoas. Para usar as tecnologias digitais de forma inovadora nas práticas docentes precisamos solucionar simultaneamente três problemas:

1 – Melhorar a infraestrutura tecnológica. Existem escolas que receberam computadores e não têm luz elétrica ou acesso à internet. Muitas escolas não têm água potável, não têm biblioteca, não tem sequer professores. Para complicar, os computadores são em número limitado, não tem para todos. É preciso ampliar e criar novas políticas públicas capazes de construir uma boa infraestrutura tecnológica nas escolas.

2 – Melhorar o acesso à rede. A banda larga no Brasil é uma piada. É preciso investir e melhorar a banda larga, entender que conexão é uma necessidade básica da população. Os custos no Brasil, por um serviço sempre ruim, são altíssimos. Precisa reduzir drasticamente o custo e ampliar a velocidade da rede. A internet veloz precisa estar disponível nas escolas. Não pode ser um projeto de algumas escolas particulares e muito caras. Deve ser presença em todas as escolas. Em cada escola pública.

3 – Formar adequadamente os professores para a cultura digital. Muitos professores não sabem o quê nem como fazer uso das tecnologias digitais em suas práticas docentes. Não pode ser apenas um cursinho de poucos horas para ensinar a ligar e desligar aparelhos. Os professores devem ser letrados digitalmente, ter autonomia e liberdade, precisam ser sujeitos integrados na cultura digital.”

*Prof. - Assessor e Consultor Educacional - roney.signorini@superig.com.br

Revista Gestão Universitária - 04/11/2013 - Belo Horizonte, MG

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31/10/2013 17:58

A FALTA DE SINTONIA ENTRE ESCOLAS, JOVENS E EMPRESAS

 


TENDÊNCIAS em 31, OUT. 2013

Aqui está algo para se pensar. “Empregadores, instituições de ensino e jovens vivem em mundos paralelos.” Quem contrata afirma que os recém-formados estão pouco preparados para o trabalho. Gastam em média 20 dias treinando quem acaba de entrar no quadro de funcionários e garantem que pagariam salários maiores aos que chegassem prontos para entregar os resultados esperados.

Por outro lado, quem prepara os futuros profissionais diz que eles estão, sim, capacitados para assumir uma posição assim que saem da faculdade. E os jovens, bem, eles pouco sabem sobre as perspectivas profissionais e do mercado que escolheram. O retrato da desconexão entre a juventude, as empresas e a rede de ensino pode chocar – ou até mesmo parecer leviano – para quem o vê assim em breves e brutas linhas. Mas o fato é que, para chegar a essa conclusão a especialista em práticas de ensino Mona Mourshed, diretora da consultoria McKinsey, e equipe entrevistaram aproximadamente mil instituições de ensino, 4,5 mil jovens e 3 mil empregadores em nove países. Além disso, revisitaram cerca de cem estudos de caso abrangendo 25 países.

Na pesquisa feita no Brasil, um dos dados que chamou a atenção da coordenadora foi o fato de as escolas técnicas e de ensino superior elencarem como última de dez prioridades a conexão entre os estudantes e as empresas. “Observamos isso tanto nas escolas privadas quanto na rede pública”, afirmou Mona. Na média dos nove países, essa iniciativa está no meio das prioridades no ranking de um a 10. Para a especialista da McKinsey e PhD em Desenvolvimento Econômico pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), esse é um dos dados que sinaliza a pouca preocupação das universidades com a trajetória de seus alunos depois que eles se formam. “De forma geral, as escolas no Brasil e no mundo parecem preocupadas em atrair e manter os estudantes até a conclusão dos cursos. Mas não sabem o que acontece com eles depois”, afirma. Mona diz que existem exceções. Na Colômbia, por exemplo, o Ministério da Educação registra a trajetória dos formados por, aproximadamente, cinco anos e publica as informações no site Observatorio Laboral para la Educación (ou observatório do trabalho para a educação, numa tradução livre). O objetivo é avaliar e divulgar a empregabilidade proporcionada pelos diferentes cursos e escolas, entender a oferta do mercado de trabalho e também ajudar os jovens a escolher melhor as suas carreiras.

Pelo estudo, essa é uma dificuldade enfrentada por jovens em todo o mundo. Quase metade dos estudantes escolheram suas profissões baseados apenas na opinião e nas informações da própria família. Apenas 40% conheciam as reais oportunidades de trabalho proporcionadas pela carreira escolhida. Além de terem pouca informação, os jovens brasileiros vivem alguns paradoxos. Mais de 70% percebem a carreira de engenheiro como altamente atrativa. Mas apenas 10% dos recém-formados nas universidades ganharam o diploma nessa área. Mona não sabe por que isso acontece. Pode ser tanto pela falta de dinheiro para pagar o curso quanto pela falta de tempo para estudar, visto que precisam trabalhar para se sustentar. Segundo a pesquisa, 43% dos jovens brasileiros reclamam da falta de condições financeiras para fazer um curso universitário, e 25% argumentam que precisam trabalhar. Os percentuais são mais alto que a média geral, que ficou em 31% e 20% respectivamente. Outro paradoxo é o fato de 72% dos jovens brasileiros acreditarem que a formação técnica profissionalizante tende a facilitar a conquista de um posto de trabalho. Apesar disso, apenas 30% percebem que essa é uma formação valorizada pela sociedade.

Na avaliação de Mona, o déficit entre o perfil demandado pelas empresas e a capacidade dos recém-formados é um problema que afeta diretamente os negócios das empresas. “Não estamos falando de uma questão de responsabilidade social”, diz a especialista. Ela afirma que é algo que compromete os resultados das empresas e sua perpetuidade. Entre os nove países pesquisados no estudo da McKinsey – Alemanha, Arábia Saudita, Brasil, Estados Unidos, Índia, Marrocos, México, Reino Unido e Turquia -, apenas 43% dos empregadores pesquisados confirmaram ser possível encontrar um número suficiente de trabalhadores iniciantes realmente qualificados. No relatório, os especialistas da consultoria afirmam que este “problema provavelmente não será um fenômeno temporário. Na verdade, ele deverá tornar-se muito pior”. O McKinsey Global Institute estima que, até 2020, haverá escassez de 85 milhões de trabalhadores de nível alto e médio de qualificação nos países.

Fonte: Valor Econômico

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29/10/2013 14:39

FUNCIONÁRIOS EM PRIMEIRO LUGAR, CLIENTES EM SEGUNDO

O livro de Vineet Nayar abraça e desenvolve a ideia de valorizar o funcionário e o que ele tem a dizer como um caminho para o sucesso.

Rodolfo Araújo

Provavelmente você já deve ter passado pela frustrante experiência de tentar trocar um produto numa loja e esbarrar numa insana burocracia, prazos e exigências que te fizeram desistir. Também é provável que já tenha pedido para trocar um sanduíche no McDonald’s e teve sua solicitação prontamente atendida, sem perguntas ou desconfiança extras.

Em ambos os casos, a solução tem pouco a ver com o funcionário em si e tudo a ver com os processos adotados. Este é o tema central da revolucionária ideia de Vineet Nayar em seu livro “Employees First, Customers Second” (“Funcionários em Primeiro, Clientes em Segundo”): deixe os funcionários realizarem seu trabalho. Ao visitar diversas filiais ao redor do mundo, assim que assumiu o cargo mais alto da HCLT (gigante indiana da área de TI) Nayar deparou-se com uma situação comum à maioria delas: os funcionários que tinham mais contato com os clientes, aqueles que realmente geravam valor para a companhia não recebiam a devida atenção, tampouco tinham a liberdade necessária para fazê-la prosperar.

Os níveis gerenciais estavam distantes do que chamou de “Zona de Valor” e atrapalhavam as melhores iniciativas. Sua visão consistia em ajudar na relação entre colaboradores e clientes – ou ao menos deixar de atrapalhar as importantes interações com o mundo exterior. As mudanças implementadas por ele sustentaram-se em dois pilares: transparência e quebra de hierarquia.

A transparência era necessária para criar um clima de confiança entre a alta gerência e demais funcionários. Assim, seu primeiro passo foi abrir todas as informações financeiras para qualquer nível da companhia. Cada pessoa envolvida sabia, então, como sua contribuição ajudava a empresa atingir seus objetivos.

Nayar também criou canais específicos de comunicação para que todos pudessem manifestar suas queixas e sugestões, além de resolver problemas pessoais ou de suas áreas. Mas a maior revolução talvez tenha ocorrido nas avaliações de desempenho, que saíram da alçada do RH e deixaram de ser atreladas ao pagamento de bônus, passando a focar exclusivamente no desenvolvimento do funcionário. Além disso, sua mecânica permitia que qualquer empregado avaliasse quem quer que fosse, desde que guardasse alguma relação de trabalho com a pessoa.

Tal medida teve o efeito colateral de revelar estruturas informais de poder, expondo o grau de influência de cada colaborador, independentemente de sua posição. Com a divulgação de absolutamente todos os resultados deste processo, Nayar conseguiu inverter a hierarquia formal da empresa, garantindo voz aos funcionários e permitindo que efetivamente criassem valor em suas atividades.

É interessante notar, ainda, que em seu objetivo de colocar os funcionários em primeiro lugar, Nayar não dedicou um parágrafo sequer a salários ou benefícios. Talvez entenda que a empresa que realmente deseje ter este perfil já tenha feito este dever de casa. Ou que as atitudes aqui descritas representem um fator motivacional muito além do dinheiro ou bons planos de saúde. Ou, quem sabe, ambas as opções.

“Employees First, Customers Second” (“Funcionários em Primeiro, Clientes em Segundo), de Vineet
Nayar, subverte a Administração tradicional que coloca os consumidores como a prioridade máxima para as empresas. Editora: Harvard Business Press, 208 págs.

 

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27/10/2013 21:06

O CHEFE ESTÁ EM CRISE. SER LÍDER HOJE VIROU PESADELO?

José Eduardo Costa

São Paulo - O escritor italiano Italo Calvino disse certa vez que tudo aquilo que escolhemos e apreciamos acaba bem cedo se revelando de um peso insustentável. Calvino se referia às escolhas da vida, mas a ideia ilustra muito bem a atual condição dos chefes.

Liderar nunca foi tão difícil. No âmbito do negócio, o jornalista americano Thomas Friedman foi quem melhor sintetizou, no livro O Mundo É Plano (Editora Objetiva), o desafio que está posto aos gestores.

Segundo Friedman, a globalização integrou os mercados e a tecnologia aproximou as pessoas. Atualmente o que acontece no mundo rapidamente tem impacto no Brasil. Um exemplo: a confirmação do novo presidente chinês, Xi Jinping, no mês passado, foi considerada ótima pelo governo brasileiro.

“Xi Jinping esteve no Brasil [em 2009] e demonstrou interesse em nosso país. A tendência é de ampliação de parcerias e, cada vez mais, de atração de investimentos”, disse o embaixador Tovar da Silva Nunes, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores.

Outro exemplo é o número recorde de profissionais qualificados que chegam ao país vindos de Portugal e Espanha. A crise lá repercute no mercado de trabalho aqui. Também estamos mais expostos a um oceano de informações e novos conhecimentos. Para o líder, essa evolução significou ter de conviver com o sentimento de “Estou perdendo algo?”, que gera insegurança e incerteza. 

Dentro das empresas, a cobrança por resultado aumentou. Enquanto esta reportagem estava sendo apurada, dois executivos sondados para a matéria perderam o emprego por não cumprir suas metas. Sérgio Chaia foi demitido depois de seis anos à frente da Nextel.

“Foi um baque”, disse por telefone. Claudia Woods, presidente da Netmovies, locadora de filmes online, foi demitida dez dias depois de dar entrevista à VOCÊ S/A. Ela não fala sobre a saída.

Não bastasse lidar com a pressão que vem de cima, os chefes agora têm de administrar o ativismo dos empregados, que questionam a autoridade dele e exigem decisões mais coerentes. “Vivemos um período sem precedentes em que líderes e subordinados têm quase os mesmos poderes”, disse à VOCÊ S/A Barbara Kellerman, professora de liderança na escola John F. Kennedy, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. 

Barbara explica como se deu essa mudança nas mais de 250 páginas de seu livro O Fim da Liderança (Editora Campus/Elsevier), nas livrarias desde o mês passado. Resumidamente, o subordinado é mais bem formado e informado do que no passado. Por isso, não responde mais ao modelo de comando e controle, eternizado no bordão “Manda quem pode e obedece quem tem juízo”.

Hoje, o chefe precisa convencer o empregado de que tem um bom plano. “Os jovens não permitem mais que os gestores sejam controladores e autoritários, exigem que eles sejam facilitadores e que abram caminho para carreiras e oportunidades”, diz Marcio Fernandes, de 37 anos, presidente da concessionária de energia Elektro, que emprega 3 500 pessoas.

O funcionário ganhou poder de influência graças, principalmente, às redes sociais, que permitem criar laços com pares e líderes de todas as áreas que têm interesses em comum.

O capital político dos subalternos aumentou. O profissional também tem atualmente um leque maior de opções de carreira e a possibilidade de vender sua competência online — ele depende menos de seu superior hierárquico. “O chefe hoje é uma pessoa ansiosa e angustiada.

Ele trabalha num ambiente incerto, tem que administrar processos internos burocráticos e precisa responder rapidamente às pessoas, que estão mais exigentes”, diz Luiz Alexandre Garcia, de 47 anos, presidente da Algar, que atua em telecomunicações, agronegócio e turismo, e tem 22 000 trabalhadores.

Ser chefe pode ser o paraíso na terra corporativa se se imaginar que ele faz o plano e não tem de colocar a mão na massa para realizá-lo. O gestor também tem mais oportunidade de influenciar as grandes decisões, de ser o protagonista do jogo. Quem lidera também ganha mais — e um contracheque gordinho cai bem na conta bancária e torna a vida mais fácil. Esses benefícios podem ser considerados a parte leve de ser líder.

Porém, cada um deles exige uma contrapartida. “O chefe deve entregar resultados, precisa estar muito atento ao consumidor, tem de inovar e cuidar das pessoas. É um desafio complexo”, afirma Márcio Utsch, de 52 anos, diretor-presidente da Alpargatas, dona das marcas Topper, Havaianas e Mizuno.

Na fala do executivo-chefe da Alpargatas, são três metas de negócio para uma  meta de pessoas. A descrição confirma uma realidade do mercado.

O desempenho econômico corresponde a mais de 80% da meta anual dos gestores com direito a bônus, segundo estudo da consultoria Hays. Uma enorme parcela do peso de ser chefe, portanto, vem da pressão por resultado. Há que se dizer, porém, que eles jamais ganharam tanto como agora — mas até aí os executivos-chefe estão sendo postos à prova. Muitos têm caído.

No primeiro semestre deste ano, houve um aumento de 20% nas demissões de presidentes e diretores, em relação ao mesmo período de 2011, por não cumprirem os objetivos, de acordo com um estudo da consultoria Produtive. É o inferno astral da elite dos chefes. E, se a situação está preta para o presidente, pode ter certeza de que ele passa adiante a pressão. 

No nível médio das empresas, os gerentes são os que mais sofrem. Eles trabalham com a pressão por desempenho que vem de cima e precisam ser mais assertivos para lidar com os subordinados. A pesquisa deste ano do Guia VOCÊ S/A – As Melhores Empresas para Você Trabalhar mostra que os funcionários exigem que seus superiores ajam de acordo com o que dizem e sejam coerentes nas decisões.

A informação está baseada nas respostas de 136 381 empregados ao questionário do Guia VOCÊ S/A, que qualifica como líder todo profissional que tem equipe. Este ano, os chefes tiveram a pior avaliação medida desde que a pesquisa do Guia teve início, em 1996.

“As questões relativas à credibilidade e à confiança no chefe são as mais críticas”, diz Ângela Lucas, professora da Fundação Instituto de Administração (FIA) e uma das responsáveis pela pesquisa do Guia.

Segundo Ângela, as metas financeiras mais exigentes estão afetando a relação do chefe com o subordinado. É como se o gestor visse no funcionário apenas um meio para conseguir seu bônus. Sob esse regime de trabalho, em pouco tempo o funcionário fica desmotivado. “O lucro é a base do crescimento, mas ele não pode ser o único propósito de uma organização.

Mais do que antes, as pessoas querem ver  sentido no que fazem, e isso vai além da meta financeira do trimestre”, diz Marise Barroso, de 49 anos, presidente da Masisa, que produz painéis de madeira e possui 913 empregados.

Uma nova atitude

Nos séculos 16 e 17, surgiram os primeiros escritos que tratam da relação entre chefe e subordinado, com Nicolau Maquiavel, autor de O Príncipe (1513), e Thomas Hobbes e seu Leviatã (1651).

Hobbes acreditava que todo líder tende a ser autoritário, por isso deveria estabelecer um contrato social com seus liderados. Por esse acordo, os subordinados concordavam em ser mandados e o líder ficava responsável por criar um ambiente agradável para se viver.

Essas premissas continuam valendo, só que, naturalmente, os trabalhadores do século 21 têm outras ambições em relação ao trabalho. “As pessoas têm interesses mais diversos e muito maiores para a sua vida. Obviamente isso impacta o ambiente profissional e as relações de trabalho”, diz Marcelo Araújo, de 50 anos, presidente do Grupo Libra, que atua nos ramos de infraestrutura e logística e emprega 3 287 funcionários.

Qualquer analista de recursos humanos hoje sabe o que quer dizer um contrato social, embora seja mais atual se falar em contrato psicológico, que é uma expressão cunhada em 1978 por Edgar Schein, professor de gestão da escola de negócios do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, nos Estados Unidos.

Esse acordo não verbal entre o chefe e seus subordinados dita as regras do jogo e é, no momento, a principal dor de cabeça dos líderes. E eles sabem disso.

“O funcionário não quer mais trocar horas de sua vida por um salário”, diz Marcelo. Ele reivindica maior participação na tomada de decisão, jornada flexível e trabalho colaborativo. “Se esses acordos não forem restabelecidos, as empresas vão ter sérios problemas para atrair os jovens e reter os profissionais mais experientes”, diz Barbara, de Harvard. Em um mercado mais competitivo, com escassez de mão de obra qualificada, esse é um tremendo desafio. 

Sem maturidade

“O chefe vai ter de mudar de atitude. E também exigir que o subordinado mude a sua”, diz Tânia Casado, especialista no tema liderança e professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Refazer o contrato psicológico passa por aí: negociar os termos da relação, considerando que o funcionário chega à empresa hoje com mais poder.

Até certo ponto, resolver a questão depende da postura do líder, que não precisa esperar a empresa se adequar à nova realidade, embora a organização vá ter de mudar radicalmente. Executivos como Marcelo Araújo, do Libra, e Marise Barroso, da Masisa, afirmam que o modelo hierarquizado, de gestão centralizada, já era.

“Ele não atende às necessidades do negócio, pois não é flexível nem ágil, e nem às necessidades das pessoas, que pedem mais autonomia”, diz Marcelo. 

“Nesse cenário é preciso dividir o tempo todo. Conhecimento e experiência são as moedas de troca que o líder tem para construir confiança”, disse à VOCÊ S/A a americana Charlene Li, consultora de empresas e autora de Open Leadership: How Social Technology Can Transform the Way You Lead (“Liderança aberta: como a tecnologia social pode transformar a maneira como você lidera”), sem edição em português.

Sete em cada dez profissionais pedem um líder mais participativo, que oriente e troque conhecimentos e experiências no dia a dia. A informação consta de uma pesquisa realizada, no ano passado, pelas consultorias LAB SSJ, Clave e Idee, que ouviu 15 676 trabalhadores nascidos a partir de 1979, sendo 68% trainees e 2% gestores. O desafio do líder é encontrar espaço na agenda para o diálogo com os subordinados. 

Uma solução é reduzir o tempo dedicado às reuniões improdutivas. Na conversa com os subordinados, o desafio é dialogar mais abertamente sobre tudo, o que requer maturidade do líder, que aprendeu que informação é poder. Essa máxima não faz sentido para o jovem que cresceu no ambiente conectado da internet, onde o conteúdo é aberto a todos.

“A informação para ele é commodity, é o básico”, diz Charlene. O chefe também precisa compreender que o subordinado vai levar um tempo para transformar a informação em resultado. E aí começa outra discussão: os chefes têm maturidade?

A questão da maturidade dos gestores tem ocupado a mente dos presidentes de empresa e dos profissionais que acompanham as lideranças das organizações. “Esse contexto todo exige equilíbrio emocional para que você saiba lidar com seus próprios limites. O ambiente atual dos negócios e do trabalho o coloca o tempo todo em contato com o limite da sua zona de conforto”, diz Marcelo, presidente do Grupo Libra.

Você acaba de fazer uma grande conquista e já tem outro desafio que o levará para fora de sua área de conhecimento. “Trabalhar no limite gera ansiedade. Você não sabe se vai conseguir responder à meta proposta. Isso afeta a estrutura emocional do indivíduo”, diz Claudio Garcia, presidente da LHH/DBM, consultoria que atende executivos e empresas.

“À medida que o chefe ameaça a autoestima das pessoas, porque no fundo é o que ele acaba fazendo, elas se ressentem se não estiverem maduras”, diz Marcelo, do Libra. O profissional que não consegue conviver com esses limites sai da empresa. E, muitas vezes, o gestor e o executivo de RH nem sequer percebem a situação. “O chefe tem que saber a hora de aliviar a pressão, de acolher, porque senão ninguém aguenta”, diz Tânia Casado.  

Dois aspectos tornam esse assunto ainda mais complicado. O primeiro diz respeito ao nível de experiência de quem chega à liderança — e não tem apenas a ver com a idade. O segundo aspecto está ligado ao processo de formação dos líderes.

Atualmente, um bom profissional egresso da faculdade leva cinco anos e meio para conquistar sua primeira posição de chefia (supervisor, coordenador ou gerente). A informação é da pesquisa do Guia VOCÊ S/A – As Melhores Empresas para Começar a Carreira, que ouviu, neste ano, 7 717 jovens de até 28 anos.

Há 15 anos, ele levava o dobro do tempo para realizar a mesma trajetória. Resultado: o profissional que está na primeira linha de comando tem pouca experiência de vida e baixo nível de autoconhecimento. É uma bagagem essencial para saber como e o que negociar com os subordinados e para se manter equilibrado (emocionalmente) diante do atual cenário.  

Falta treino

“O jovem chefe não teve chance de amadurecer aspectos que são importantes para uma liderança efetiva. Um reflexo disso é o processo de feedback, que poderia ser utilizado para desenvolver o subordinado, mas tal como é praticado se torna  inócuo”, diz o belga Didier Marlier, professor do Insper, em São Paulo, e consultor de liderança. O líder deveria ser mais bem treinado antes de ocupar a função.

“A maioria dos programas corporativos que conheço é fraca e incapaz de preparar alguém para liderar”, diz Barbara, de Harvard. O coach carioca Augusto Carneiro afirma que no Brasil as empresas também têm pecado na preparação de seus gestores.

“Sou contratado para corrigir falhas de profissionais que muitas vezes não deveriam ocupar a posição de chefe”, diz Augusto, que há dez anos trabalha com desenvolvimento de liderança. Antes de se tornar coach, Augusto fez carreira no Citibank, na Xerox e na Korn/Ferry. 

As maiores companhias no Brasil têm investido milhões na capacitação de seus gestores, mas poucas são bem-sucedidas em ajudar o líder em seu processo de amadurecimento e autoconhecimento. Claro, estamos falando de processos complexos, que não são feitos em sala de aula. Um bom exemplo é o programa realizado pelo grupo mineiro Algar, que atua nos segmentos de telecomunicações, agronegócios e turismo.

Há anos o grupo faz um trabalho de triagem de potenciais sucessores para os postos de chefia. Os profissionais mapeados pela organização têm suas avaliações de desempenho revistas e passam por um assessment — uma espécie de raio X de competências.

Os escolhidos passam por um processo de formação de dois anos, que envolve cursos de liderança e gestão em boas escolas nacionais (como a Fundação Dom Cabral) e internacionais (como a Insead, na França), por atividade prática monitorada por um superior na função a que estará apto a exercer ao fim do programa e por um intenso feedback. O profissional faz tudo isso sem deixar suas tarefas do dia a dia de lado e sem a garantia de que vai ter a posição no final. 

O executivo Leonardo Freitas, de 45 anos, superintendente da Algar Agro, unidade de agronegócios do grupo, concluiu o processo em 2008. Na época, ele era diretor do programa. “As experiências e discussões sobre gestão de pessoas foram as que mais me marcaram, pois foi ali que me dei conta da atual condição do líder”, diz o executivo, que atualmente lidera 520 profissionais e tem nove gestores (oito diretores e uma coordenadora) sob seu comando.

“A pressão que vem da base hoje é muito grande. Aprendi que nesse cenário tem de haver transparência. O cara quer ver o líder. É preciso criar espaço para o diálogo. E tem que ter menos regras sobre como fazer, pois se aprende na execução”, diz. Formar líderes requer investimento, tempo e paciência para aceitar que nem todos estarão aptos. 

Juntando os pontos

Não é só o líder que precisa se desenvolver, os subordinados também precisam amadurecer. “Só existe liderança se houver seguidores dispostos a trabalhar junto”, diz Claudio Garcia, da LHH/DBM. E esse tem sido um ponto crítico na relação chefe-subordinado. “Alguns jovens têm dificuldade de trabalhar em equipe. Eles ainda são formados num ambiente competitivo e, quando são contratados, tendem a querer trabalhar individualmente. 

Ao mesmo tempo, a empresa ainda privilegia o desempenho individual. Esse mesmo jovem que exige um ambiente colaborativo se torna um chefe que segrega”, diz Luiz Alexandre, presidente da Algar.

Para Didier Marlier, consultor de liderança, a solução passa por uma transformação do ambiente organizacional e por uma melhor capacitação dos subordinados. “Eles precisam entender melhor o contexto em que estão inseridos”, afirma. 

Por trás de toda essa questão está o modelo de gestão e governança das empresas, que vem se delineando, como o conhecemos, desde o século passado. Mudá-lo, ou pelo menos adaptá-lo às atuais demandas de negócios e das pessoas, já é assunto de alguns conselhos de administração.

Marcelo, do Grupo Libra, Luiz Alexandre, da Algar, e Marise, da Masisa, afirmam que, em conversas com os conselheiros, já relataram que as ferramentas de medida de desempenho e desenvolvimento de pessoas são ineficientes para o cenário que está posto. “O modelo hierarquizado, centralizado, não atende mais às necessidades da organização e muito menos às dos profissionais”, diz Marcelo.

Se a mudança vai ser rápida? Marise responde: “Ainda vai ser preciso muita conversa para mudar o paradigma do resultado no curto prazo. O medo de romper com esse modelo domina o mundo corporativo”. 

Se o fim da ditadura do resultado rápido ainda é incerto, a busca de uma nova estrutura organizacional parece mais factível. “Caminhamos para um modelo mais orgânico, em que as unidades serão muito mais autônomas. Está se desmontando o sistema de liderança baseado na autoridade, no poder concedido, para dar lugar ao chefe que inspira pela legitimidade”, diz Marcelo. 

Em que ponto estamos dessa transição? “Eu diria que esse processo está se acelerando. Uns serão mais velozes; outros, mais lentos”, diz o presidente do Grupo Libra. Não há receita simples para lidar com a mudança. Uma boa dica vem do próprio Italo Calvino, o escritor italiano citado no começo da reportagem.

Calvino dizia que, cada vez que se sentia condenado ao peso, ao fardo de um trabalho extenuante, ele rapidamente mudava seu ponto de observação e passava a considerar o mundo sob outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controle. A solução para a crise do chefe passa por aí.

Revista VOCÊ S/A Edição 174

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26/10/2013 11:28

A PRAGA DA LEITURA OBRIGATÓRIA

Quer convencer alguém a abandonar um hábito prazeroso? Basta transformá-lo em obrigação. Nos esportes, é comum ver amadores talentosos abandonando seus sonhos ao deparar com a rotina árdua necessária para competir profissionalmente. No mundo da cultura ocorre algo semelhante. Conheci aspirantes a críticos de cinema que passaram a detestar filmes após experimentar a rotina de assistir a cinco ou seis estreias desinteressantes semanalmente. Talvez isso explique nossa obsessão por games estúpidos e redes sociais: como ninguém nos obriga a passar horas jogando Candy Crush ou navegando no Facebook, podemos gastar nosso tempo assim por puro prazer. Se fôssemos forçados a isso, provavelmente buscaríamos refúgio noutras atividades, como resolver o cubo mágico, elaborar uma tese de doutorado ou descobrir a cura do câncer. Talvez até lêssemos mais livros, se não houvesse tanta gente tentando transformar a leitura numa obrigação.

O assunto é delicado, sobretudo no que diz respeito às escolas. As leituras obrigatórias têm uma importância pedagógica enorme. Os alunos precisam aprender literatura e interpretação de textos na escola, e ler é sem dúvida a melhor maneira de fazê-lo. Dito isso, não é difícil perceber que obrigar um aluno a ler um livro e fazer uma prova sobre ele é uma péssima maneira de incentivar a leitura. Muitos desistem dos livros após a formatura. Outros até voltam a ler, mas deixam de lado os autores que a escola lhes forçou goela abaixo. É raro ver um adulto lendo Machado de Assis, por exemplo. A ironia refinada de um dos maiores escritores da história do país é desperdiçada em adolescentes que leem resumos de seus livros, decoram nomes de personagens, respondem a perguntas de vestibular e, depois, esquecem-se dele para sempre. O lirismo de Manuel Bandeira torna-se uma chatice insuportável quando somos obrigados a nos comover com ele. Até o humor de Macunaíma perde toda a graça.

Felizmente há jovens que sobrevivem a esse teste e tornam-se leitores. Alguns conseguem enxergar a genialidade desses escritores, apesar da obrigação de ler suas obras. A maioria redescobre as livrarias graças a autores populares. J. K. Rowling, John Green, Paulo Coelho, Thalita Rebouças e dezenas de outros, cujos livros felizmente não entram na lista do vestibular e podem ser lidos apenas por diversão.

Mesmo assim, a leitura obrigatória continua nos assombrando fora das escolas. A obrigação pedagógica muitas vezes dá lugar à obrigação social. Descuide por um instante numa conversa entre leitores e aparecerá alguém para tentar convencê-lo de que determinado livro é absolutamente indispensável e ninguém pode deixar de lê-lo. Uns acham que é inadmissível não ler o best-seller da moda. Outros não aceitam o fato de você não se interessar por um grande clássico da história da literatura. E há situações ainda mais absurdas. Um dia desses fui chamado de ignorante por dizer que não gostaria de ler a biografia não autorizada de Caetano Veloso – um livro que nem existe.

A crítica não está imune a essa postura. Pelo contrário. Volta e meia vejo algum colega jornalista escrever, numa resenha, que esse livro ou aquele outro é “indispensável”. Dispenso a resenha na hora. Procuro outra razão para ler o livro ou outro livro para ler.

Houve um tempo em que eu era cordial quando alguém me dizia que eu tinha a obrigação de ler algo. Eu respondia que iria atrás do livro e o colocaria na minha fila de leituras. Hoje sou mais sincero: “Desculpe, mas se eu dedicar meu tempo a todas as leituras indispensáveis, não sobrará um minuto para os livros que quero ler.”

É difícil não se deixar intimidar pela imensidão da literatura. Mesmo se fizermos uma lista dos clássicos indiscutíveis, é improvável que sejamos capazes de ler tudo em apenas uma vida. Nosso único consolo é nos reservar o direito de escolher o que ler, buscar o prazer na leitura e aceitar as inevitáveis lacunas na nossa formação literária. Tenho um amigo de vinte e poucos anos que leu Em busca do tempo perdido mais de uma vez, mas não sabia quem era Conan, o bárbaro. Outro amigo divide seu tempo entre grandes obras da literatura, histórias em quadrinhos e livros sobre zumbis. São dois excelentes leitores, com suas falhas e idiossincrasias. Nenhum tem motivo para se envergonhar.

Num dos trechos mais divertidos de seu livro Paris é uma festa, Ernest Hemingway narra uma conversa com o poeta e crítico literário Ezra Pound sobre literatura russa. Ou melhor: uma tentativa de conversa. Hemingway pergunta a Pound o que ele acha de Dostoiévski. A resposta de Pound, um dos homens mais eruditos de seu tempo, é uma surpresa e um álibi para todos nós. “Para te dizer a verdade, eu nunca li os russos.” Se Pound pode esnobar Dostoiévski, até o mais relapso dos leitores está perdoado. Não existe livro indispensável. Cada um está livre para ler o que quiser.

Danilo Venticinque – Revista Época – 22/10/2013 – Rio de Janeiro/RJ

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25/10/2013 07:42

HOMEM DE BEM

Você, leitor, é pessoa honesta e cumpridora. Trabalha. Paga as contas. É decente com a mulher e os filhos. Mas quando olha em volta, o cenário é selvagem. Os colegas usam e abusam da dissimulação e da mentira. Sem falar da corrupção de superiores hierárquicos ou de políticos nacionais, esse câncer que permite a muitos deles terem o carro, a casa, as férias, a vida que você nunca terá.

Para piorar as coisas, eles jamais serão punidos por suas viciosas condutas. A pergunta é inevitável: será que eu devo ser virtuoso? Será que eu devo educar os meus filhos para serem virtuosos?

Essas perguntas foram formuladas por Gustavo Ioschpe em excelente texto para a “Veja”. De que vale uma vida ética se isso pode representar, digamos, uma “desvantagem competitiva”?

Boa pergunta. Clássica pergunta. Os gregos, que Ioschpe cita (e, de certa forma, rejeita), diziam que a prossecução do bem é condição necessária para uma vida feliz. Mas o que dizer de todas as criaturas que, praticando o mal, o fizeram de cabeça limpa por terem falsificado a sua própria consciência?

Apesar de tudo, Gustavo Ioschpe tenciona educar os filhos virtuosamente. Não por motivos religiosos, muito menos por temer as leis da sociedade. Mas porque assim dita a sua consciência. Um dia, quem sabe, talvez o Brasil acabe premiando essas virtudes.

A resposta é boa por seu otimismo melancólico. Mas, com a devida vênia ao autor, gostaria de deixar dois conselhos para acalmar tantas angústias éticas.

O primeiro conselho é para ele não jogar completamente fora as leis da sociedade na definição de boas condutas. Porque quando falamos de vidas éticas, falamos de duas dimensões distintas: uma dimensão pública, outra privada.

E, em termos públicos, acreditar que os homens podem ser anjos (para usar a célebre formulação do “Federalista”) é o primeiro passo para uma sociedade de anarquia e violência.

Na esfera pública, eu gostaria que os homens fossem anjos; mas, conhecendo bem a espécie, talvez o mínimo a exigir é que eles sejam punidos quando se revelam diabos.

Se preferirmos, não são os homens públicos que têm de ser virtuosos; são as leis que devem ser implacáveis quando os homens públicos são viciosos.

Isso significa que a principal exigência ética na esfera pública não deve ser dirigida ao caráter dos homens –mas, antes, ao caráter das leis e à eficácia com que elas são aplicadas. No limite, é indiferente saber se os homens públicos são exemplos de retidão. O que importa saber é se a República o é.

Eis a primeira resposta para a pergunta fundamental de Gustavo Ioschpe: devemos educar os nossos filhos para a virtude? Afirmativo. Ninguém deseja para os filhos a punição exemplar das leis. E, como alguém dizia, é do temor das leis que nasce a conduta justa dos homens. Desde que, obviamente, as leis inspirem esse temor.

E em privado? Devemos ser virtuosos quando nem todos seguem a mesma cartilha e até parecem lucrar com isso?

Também aqui, novo conselho: não é boa ideia jogar fora os gregos. Sobretudo Aristóteles, que tinha sobre a matéria uma posição sofisticada e, opinião pessoal, amplamente comprovada.

Fato: não há uma relação imediata entre virtude e felicidade. Mas Aristóteles gostava pouco de resultados imediatos. O que conta na vida não são as vantagens que conseguimos no curto prazo. É, antes, o tipo de caráter que “floresce” (uma palavra cara a Aristóteles) no curso de uma vida.

E, para que esse caráter “floresça”, as virtudes são como músculos que praticamos e desenvolvemos até ao ponto em que a “felicidade”, na falta de melhor termo, se torna uma segunda natureza.

Caráter é destino, diria Aristóteles. O que permite concluir, inversamente, que a falta de caráter tende a conduzir a um triste destino. Exceções, sempre haverá. Mas, aqui entre nós, confesso que ainda não conheci nenhuma. Não conheço maus-caracteres que tiveram grandes destinos.

Sim, leitor, não é fácil olhar em volta e ver como a mesquinhez alheia triunfa e passa impune. Mas não confunda o transitório com o essencial.

E, sobretudo, nunca subestime a capacidade dos homens sem caráter para arruinarem suas próprias vidas.

Educar os filhos para serem “homens de bem” é também ajudá-los a evitar essa ruína.

Fonte: João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do “Correio da Manhã”, o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro “Avenida Paulista” (Record). Texto publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo.

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